terça-feira, 7 de abril de 2015

A questão central na escolha de um candidato presidencial



Sampaio da Nóvoa desperta amplas, ou eclécticas, ou variegadas, simpatias na esquerda e no centro. Dentro da imprevisibilidade e frustração que marcam a liderança de António Costa até à data, poderá mesmo vir a ser o candidato presidencial apoiado pelo PS. Mas será a figura de que precisamos nesta altura?
Sirvo-me da estimável opinião do MCF – Enquanto há força, cantai rapazes, dançai raparigas, seremos muitos, seremos alguém – para olhar com mais atenção para o fenómeno da sua popularidade. O Marco disponibiliza e recomenda o seu discurso no 10 de Junho de 2012, declarando estar ali uma prova de que o homem teve a coragem de dizer, na cara de Cavaco e Passos, o que precisava de ser dito. Ai, sim? Discordo.
O discurso é convencional na sua retórica, o que não tem qualquer mal, apresentando-se sectário na sua ideologia. A ideologia é a do primado do “conhecimento” sobre a “política”, sintetizado num peremptório dogma:
É este o nosso problema: a ligação entre a universidade e a sociedade. É esta a questão central do país: uma organização da sociedade com base na valorização do conhecimento.
Vista a partir da torre de marfim na universidade, sim, poderá ser essa a questão central do País. Para mais ninguém, contudo. Não para os pensionistas, não para os desempregados, não para os utentes dos serviços públicos, não para os que esperam e desesperam pela Justiça, não para quem quer trabalhar com dignidade e segurança, não para os que se assustam e entristecem com a decadente cultura da calúnia promovida pela elite nacional.
Dizer que há uma “questão central” na política que acaba por transcender a própria política é um dos pilares dos posicionamentos populistas. Onde outros apenas recorrem ao moralismo, seja porque se reclamam puros ou porque diabolizam os adversários, o fogoso reitor desfralda a bandeira de todos os iluminados e declara-se crente ingénuo naquilo que Platão deixou cifrado e tão-só para consumo individual.
Falar de sectarismo não me parece em nada excessivo quando listamos e detalhamos as mensagens que foram verbalizadas nesse 10 de Junho de há 3 anos. As denúncias que permitiram carimbar esse discurso como “opositor” são invariavelmente demasiado genéricas, afundando-se num registo metafórico que nem sequer ultrapassa o nível do cliché, surgindo embrulhadas em citações avulsas e politicamente correctas. Espremidas, são palavras que mal escondem uma preocupação narcísica, a procura de um efeito adequado ao tempo e ao lugar. Onde está nesse discurso, numa vírgula que seja, a obrigatória exaltação do Estado de direito? Que sortilégio explicará a oportunidade perdida de dizer a Cavaco e Passos que eles ofendem a República? Como se pode celebrar esse momento como manifestação de coragem se nem um espaço entre letras foi dedicado ao logro eleitoralista que nos afundou em 2011 ou ao emporcalhamento da Presidência em 2009? É preciso não gostar nada de política para desperdiçar uma ocasião literalmente soberana de a fazer.
Sampaio da Nóvoa daria um Presidente da República um gugol de vezes melhor do que Cavaco. Mas também com Fernando Mendes, do Preço Certo, teríamos uma melhoria dessa magnitude. Ou com a minha vizinha do 4º andar. Aqui para o meu palato, nenhum candidato presidencial que abdique do confronto com a “questão central” dos ataques ao Estado de direito, o qual nunca como com Passos e Cavaco foi tão desprezado e maltratado em democracia, ganhará o meu voto. Pelo menos, na 1ª volta.


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