sábado, 11 de maio de 2013

Leituras

 

Das fúrias forças

por Fernanda Câncio / Diário de Notícias



Aconselhável resistir a apodos excessivos. Estamos todos saturados de comparações idiotas, histéricas, demagógicas, caluniosas, odientas. Foram gastas, como os gritos do Pedro da história do lobo, antes do tempo, antes do lobo.
Estamos todos fartos de quase tudo, a começar por toda esta incompetência quase surreal, esta irresponsabilidade que desafia adjetivos, este desafio permanente ao bom senso e ao bom gosto que faz parecer normal a um primeiro-ministro anunciar, com contabilização de "poupanças" e tudo, medidas causadoras de enorme alarme social que afinal não tencionava efetuar; a um ministro das Finanças que não assegura uma única previsão, uma única conta, emproar-se na sua monocórdia assegurando, enojado, que coisíssima nenhuma, não foi eleito; a um líder do segundo partido da coligação declamar à Nação as dissensões no Conselho de Ministros e quantas medidas o PM e o ministro das Finanças queriam e ele impediu e como, sacrificado e contra, claro, o seu interesse pessoal e até por vezes a sua consciência (que acha que tem), nos governa para nos poupar a males piores; a um Presidente renegar tudo o que disse até março sobre a espiral recessiva e tudo o que não disse, até junho de 2011, sobre a crise internacional, e passar a propagandista número um do Governo, recuperando, agora a benefício do antes tão detestado Passos, o seu "deixem-nos trabalhar".
Estamos tão fartos que nos falta o que dizer, o que mais dizer. Como falta o som no grito do quadro do mesmo nome, como quando nos sonhos ficamos especados e mudos no perigo, incapazes de pedir socorro, de reagir, hipnotizados. Estamos tão fartos que um Gaspar dizer "olhem como é bonito o ajustamento português" nos deixa átonos, talvez até nos faça rir - é tudo tão irreal, tão ridículo, tão estulto que rir parece a única coisa sensata, a única maneira de lidar com esta loucura, a única forma de não ser consumido pelo desespero de ver um país destruído por gente de um calibre que apesar de tudo ainda não tivéramos o azar de ver, em tal dose, ao leme.
Que fazer, perguntava Lenine. Deitemos fora as respostas de Lenine, outro iluminado dos amanhãs que sabemos bem como cantaram, fiquemos com a pergunta. Tem de haver qualquer coisa que se possa fazer, em democracia, quando a democracia é sequestrada - sob pena de não ser democracia. Tem de haver qualquer coisa que se possa dizer para acordar os que, dormentes, assistem a isto como se não pudesse ser verdade.Não, não é a gritar fascismo, nem nazismo, nem que está toda a gente a morrer de fome ou a suicidar-se aos magotes. Não, não é de buíças que precisamos, sequer da memória deles. Nem de hipérboles, tiradas piedosas ou indignações espúrias. Precisamos de fúria.Não promessas sem osso, não estratégias para ganhar tempo. Não temos tempo - tenhamos o que nos resta, se nos restar coragem.





 

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