O horror podia ter dado mais jeito
Faziam roupa para a Inditext (Zara), a H&M, a C&A... Marcas daquelas
comuns, que não ligamos ao luxo. Fossem elas Louis Vuitton, aqueles homem e
mulher mortos sob o pó, e os seus 1100 companheiros de desgraça do edifício
Rhana Plaza, em Daca, teriam sido um bocadinho mais abusados. Não nos chegaria
vê--los mortos no lugar do trabalho, mortos pela miséria do seu país, mortos
pela cupidez empresarial, local e internacional, e ainda teríamos aquela
cerejinha com que alimentamos melhor as indignações. À caliça sufocante e ao
peso do cimento rebentado contrastávamos a caxemira, o merino e as etiquetas das
lojas da rua do Faubourg Saint-Honoré, e, então, explodíamos: como ousam estes
vampiros do luxo! Mas não, as marcas são daquelas que nós usamos e, até, em
rotação que um niquinho de consciência nos diz ser exagerado... Algum complexo
de culpa deve ter havido para que, três semanas depois do desastre, terem sido
mais as manifestações no Bangladesh contra as condições de trabalho (apesar de
estarem tão habituados a sofrer e calar) do que na América e na Europa,
habitualmente tão dadas ao protesto solidário. Só que este geralmente é feito
mais contra alguém (quem nos está em cima) do que a favor dos oprimidos (que são
mero pretexto). Desta vez, tendo sido as "nossas" marcas culpadas, sentimo-nos
um pouco cúmplices. Ainda bem, não houve o folclore que só serve para diminuir o
valor das causas.
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