quarta-feira, 10 de abril de 2013

Faleceu a 'Dama de Ferro'


Mário Soares / Diário de Notícias
 

Ao fim de uma longa doença, que a inutilizou psiquicamente, faleceu a senhora Thatcher. Os jornais portugueses e muitos estrangeiros encheram-na de elogios políticos.

Tive o privilégio de a conhecer bem, não só em Londres, por exemplo, quando fiz uma visita de Estado a Inglaterra, como, depois, quando a senhora Thatcher veio a Portugal, em Paris e mais tarde em Moscovo, onde nos encontramos numa visita para assistir a um funeral de uma personalidade soviética, sob um frio insuportável, mais de 40 graus negativos. Foi então que me mostrou, na embaixada inglesa, um bunker, onde conversámos, sem perigo dos microfones soviéticos...

No entanto, sempre distingui entre a simpatia pessoal com que sempre me tratou, como igualmente sucedeu com François Mitterrand, e as responsabilidades políticas que foram as suas, na linha das posições do seu correligionário Ronald Reagan, responsáveis ambos, não nos esqueçamos, pelo desastre dos Estados do Ocidente, que passaram a ser comandados pelos mercados usurários, tentando destruir os Estados sociais, os sindicatos, no melhor estilo - tão desastroso - neoliberal.

Como disse, a senhora Thatcher conversada era muito simpática e gostava dos socialistas estrangeiros, como François Mitterrand, Helmut Schmidt, Felipe González e eu próprio. Mas outra coisa foi o que tentou fazer no plano político em contacto permanente com Reagan, conseguindo destruir o Partido Trabalhista e o Estado social inglês. Arruinou os sindicatos ingleses - até então tão fortes - e fez consideráveis estragos nas conquistas sociais, que se seguiram com tanto êxito, após a vitória na Segunda Guerra Mundial e que tanto marcaram a Europa depois da vitória com homens da craveira intelectual e ética de Attlee e Aneurin Bevan, que criou o serviço de saúde, que fez a inveja (e foi depois seguido) por tantos Estados europeus, com particular destaque para os nórdicos.

Essa sua política de austeridade, baixando os impostos, atacando o poder dos sindicatos e privatizando tudo o que pôde do poder do Estado, tornou-a particularmente impopular. Salvou-a, ao que dizem os ingleses, a guerra das Malvinas, contra os argentinos, que ganhou em 1982, apesar do desemprego crescente e das dificuldades sociais que daí resultaram.

Note-se que a senhora Thatcher sempre foi contrária a uma política europeia, que fosse além do livre-câmbio e tivesse um sentido político, de solidariedade e igualdade entre os Estados membros. E sempre foi contrária ao euro como moeda única.

Em suma, politicamente, foi quem, com Reagan, lançou o neoliberalismo e o poder dos mercados usurários em relação aos Estados, quando devia ser o contrário. Foi o que conduziu à crise terrível em que a Europa se encontra hoje - crise política, social, ética e ambiental - e da qual a América do Norte parece estar a sair, graças à lucidez do Presidente Barack Obama. Crise em que a Europa se encontra sem que os seus desastrados e pobres dirigentes sejam capazes de sair dela, embora estejam próximos de um colapso de consequências terríveis - talvez de um novo conflito europeu ou mesmo mundial.

Elogiar politicamente Margareth Thatcher é um mau sinal para a Europa que, a prosseguir, nos pode levar a um desastre de consequências imprevisíveis. Mas acredito que virá aí, proximamente, um novo ciclo político que acabe com a austeridade que nos tem causado tanto mal. E a verdade é que os Estados compreenderão que não são as troikas que mandam. E que quando não há dinheiro não se paga, como os países da América Latina nos ensinaram. O exemplo da Argentina é, nesse aspeto, paradigmático.

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