sexta-feira, 8 de março de 2013

Ele e mais ninguém

FERNANDA CÂNCIO

 

por  Fernanda Câncio / Diário de Notícias







Presidente da República ainda se escreve com maiúsculas. Mas se o novo AO não mudou isso, o atual detentor do cargo está empenhado em reduzi-lo a paródia e opróbrio. Após meses de silêncio tão inexplicável que a piada mais frequente do Twitter era compará-lo ao moribundo Chávez, Cavaco emergiu à porta de uma fábrica de moagem para, em autêntica conferência de imprensa, moer-nos o que nos resta de paciência com os habituais e penosos autoelogios e autorreferenciações, mais as pusilanimidades e mesquinhices costumeiras.
Que já disse tudo na mensagem de Ano Novo, que trabalha dez horas por dia (vá lá, não se queixou outra vez de ganhar pouco), que "tem informação que mais ninguém tem e experiência que mais ninguém tem", que o Governo finalmente fez o que ele defende mas que não lhe dá ouvidos como devia, etc. E, finalmente, que "as pessoas que se manifestam no respeito pelas leis da República devem ser ouvidas". Cavaco, pelos vistos, não reparou que o que se ouviu mais na manifestação de 2 de março foi o silêncio. À exceção da Grândola e da enorme vaia que o teve como destinatário, um silêncio exasperado, soturno, de quem cerra dentes e punhos, de quem já não sabe o que gritar. Não reparou, ocupado que está na sua esgotante jornada de trabalho, que quem saiu à rua no dia 2 foi a maioria silenciosa, a que nunca ou raramente sai, a que nunca ou raramente se manifesta e nem sabe bem como se faz. Para dizer que está farta do processo revolucionário em curso e que exige ao garante de regular funcionamento das instituições que ponha cobro a este sequestro da vontade popular expressa no voto. A esta burla perpetrada com o alto patrocínio de um presidente que, no discurso de tomada de posse, há dois anos, exortou todos a saírem à rua contra o Governo PS por se ter "ultrapassado o limite dos sacrifícios" e hoje, perante o décuplo desses sacrifícios, alega a crise europeia (que antes ignorou) e se refugia no seu palácio cor-de-rosa, nem já no Facebook dando cavaco.
Sim, este PR sabe coisas que mais ninguém sabe, vê coisas que mais ninguém vê. Como Gaspar e Passos, não vê o que todos vemos, mas por razões diferentes - eles são fanáticos perigosos (como todos os fanáticos), ele é um desavergonhado taticista que passa as ditas dez horas e todas as outras a fazer contas de cabeça sobre como tirar o máximo de proveito de cada situação. E que, no cúmulo da sua não noção, do insulto ao País que desgraçadamente lhe confiou o último recurso, se entretém a escrever roteiros "para presidentes em tempo de crise". Que magnífica ideia, senhor professor, clamaram, em coro, os assessores, a bater palminhas: "Que lindo testemunho para a história." E é. O livrinho há de expor, malgré o autor, o roteiro que nos trouxe aqui. Arquitetado por um presidente de prefácios, que crê ter sido eleito para jogar xadrez com os portugueses, lixando-se para tudo menos ele.

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