segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Vencidos da troika

[Quem gosta de política gosta do Louçã. Gosta muito, tanto quanto a sua excepcionalidade. E tão mais quão menos se identificar com ele. Porque o desacordo ideológico, intelectual e moral permite uma objectividade centrada no homem e não no chefe.
Embora o Bloco seja o Louçã, e sendo duvidoso que o partido lhe sobreviva caso o Chico saia mesmo de cena, Louçã é mais do que o Bloco. O que ele fez no PSR foi igualmente notável, pois já então conseguiu ocupar o espaço entre o PS e o PCP, chegando a eleitorados jovens e urbanos com uma promessa de lirismo credível. O seu instinto de marketing cedo mostrou ser apurado, utilizando linguagens e códigos onde se escondia o radicalismo e se vendia o vanguardismo. Era a síntese perfeita à esquerda: a pureza ideológica do PCP com a ligação à sociedade e ao futuro do PS. Ou assim se fez parecer.
É por tudo isso que a sua despedida do palco, mesmo que temporária ou simulada, merece uma ponderação mais funda sobre tão influente figura. E basta comentar o seu último discurso, na abertura da Convenção do BE, para termos um retrato transparente da sua pessoa política. São 30 minutos extraordinários. 30 minutos de demagogia, fanatismo, hipocrisia, narcisismo e desonestidade intelectual sem o menor vestígio de consciência, quanto mais de vergonha. 30 minutos de culto da personalidade e de rédea solta à megalomania e ao farisaísmo. E, no entanto, tal não impede que se reconheça o seu valor: também por sua causa Portugal melhorou nos últimos 30 anos.
São variadas as calamidades do foro lógico que aquele discurso oferece à contemplação. Contudo, porque ele se constitui como o enésimo ataque à outrance ao PS, assim se misturando a sua obsessão com a homenagem a companheiros mortos e a saudação a companheiros vivos, talvez o mais apropriado seja sairmos dessa mistela de duvidoso gosto e ficarmo-nos pelo cenário. Nele se pode ler, por todo o lado, o lema do evento: “vencer a troika”. Isto significa que o partido que viabilizou a perda da soberania e a entrega do País à dupla Passos-Relvas, e cujo líder chegou na altura a dizer que desse modo se estava a sair da crise, se transformou numa entidade cujo único desígnio é o de lutar contra o seu passado. É que existiu realmente uma altura em que a Troika poderia ter sido vencida e um Governo disposto a combater ao lado do BE nessa patriótica batalha, mas não é nesta altura nem será em nenhuma outra por vir. O mal está feito, o que resta acontecer será uma penosa recuperação.
Eis um facto histórico que diz o essencial a respeito de Louçã como político e como cidadão.

[Valupi \ Blog Aspirina B]

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