quinta-feira, 19 de julho de 2012

Cultura da calúnia – Do sórdido ao patético

Valupi | Blog Aspirina B




Sócrates saiu de cena há mais de um ano, ausentando-se para fora do reino de modo a que nem a sua sombra incomode os transeuntes, e se quisermos saber como gasta os milhões que roubou ou o que diz ao telefone temos de ler o Correio da Manhã. Todavia, os socráticos não o deixam em paz e passam os dias a invocar o seu nome. Foi assim com os casos Relvas. Começaram por nos lembrar que Silva Carvalho tinha sido escolhido por Sócrates in illo tempore, logo tudo o que se passou e passaria entre Relvas e o super-espião tinha no anterior primeiro-ministro a raiz do mal. Depois lembraram-nos de que Sócrates também fez telefonemas para jornalistas a queixar-se disto e daquilo, pelo que estar agora a dar atenção a uma chantagem que envolvia a divulgação canalha de dados, verdadeiros ou falsos, relativos à privacidade de uma jornalista e de um político não se justificava, muito menos justificava castigo. Por fim, e com rutilante satisfação, sacaram das lembranças relativas ao caso da licenciatura de Sócrates para nos garantirem que Relvas se tinha limitado a imitar o outro, pelo que devíamos ver os dois casos em conjunto por serem farinha do mesmo saco. Podemos já antecipar que calhando Relvas ser apanhado a roubar carteiras no Metro alguém virá lembrar a forte suspeita de que Sócrates batia na avó, e que esse praticamente confirmado facto é que merece a nossa indignação.

Alberto Gonçalves, cronista no DN, é um desses socráticos fervorosos que não perdeu a oportunidade de cumprir serviço. Ele alia uma inquestionável habilidade para trabalhar o verbo com uma não menos inquestionável apetência para a bronquite asnática. Eis o que partilhou com o público a respeito dessas duas figuras, pujante de confiança:


Para chegar a José Sócrates, a Miguel Relvas apenas falta fingir que pratica jogging e estuda em Paris. No resto, as semelhanças arrepiam um céptico. O dr. Relvas manda no Governo. O dr. Relvas cuida das clientelas do principal partido do Governo. O dr. Relvas emite propaganda reformista enquanto manobra para que reforma alguma seja realizada. O dr. Relvas coloca frequentemente jornalistas na ordem e vale-se da honrada ERC e da apatia geral para escapar impune. O dr. Relvas vê o seu óptimo nome chamado a casos no mínimo pouco edificantes e no máximo criminosos. E o dr. Relvas dá-nos razões de sobra para acrescentarmos o título antes do nome por pura ironia.

À semelhança do eng. (se soubessem o gozo que esta abreviatura me dá) Sócrates, o dr. (idem) Relvas parece igualmente ter adquirido a licenciatura num vão de escada, ou pelo menos no topo de uma escada sem muitos degraus. Os pormenores do primeiro caso, incluindo o fax ao domingo, são já lendários. Os pormenores do segundo, agora divulgado, preparam-se para ingressar na lenda.



8 de Julho

Este Gonçalves não se atrapalha, como vemos. Relvas é transformado em clone de Sócrates, o grande mestre da corrupção. As duas licenciaturas seriam equivalentes nisso de terem sido obtidas por favor, sem prestação de provas. Prazer a dobrar, confessado gozo orgástico: poder atacar Relvas recorrendo a Sócrates, poder achincalhar Sócrates através de Relvas. Porém, guardada estava uma surpresa para a semana seguinte:




Após ler alguns comentários à minha crónica da semana passada, percebi os argumentos dos que em tempos defendiam a rectidão da licenciatura de José Sócrates e agora acham a licenciatura de Miguel Relvas um escândalo. Segundo parece, ambos os casos são (preparem-se) “incomparáveis”.

E são incomparáveis porquê? Uma corrente de pensamento limita-se a dizer: porque sim, leia-se porque gostam do “eng.” Sócrates e não gostam do “dr.” Relvas, ou porque gostam do PS e não gostam do PSD, ou, no fundo, apenas porque sim. Uma segunda corrente, mais sofisticada, elabora um bocadinho e explica que o “eng.” Sócrates concluiu a maior parte das disciplinas do seu curso, enquanto o “dr.” Relvas não terá concluído quase nenhuma.

Assim apresentada, a tese faz certo sentido, sobretudo se, a título de exemplo e a pretexto de galhofa, lhe acrescentarmos as equivalências académicas que o “dr.” Relvas obteve após dirigir uma agremiação folclórica (na acepção literal: não se trata do PSD) e se, para evitar complicações, lhe subtrairmos o facto de que, ao que corre por aí, uma determinada quantidade das disciplinas que o “eng.” Sócrates tão brilhantemente realizou não existirem à data da passagem dele por elas.


15 de Julho

Gonçalves engole o sapo, mas tentando passar a imagem de que só o está a maltratar com as favolas. Acontece que a única entidade maltratada é a inteligência dos seus leitores. De forma tortuosa, o socrático crónico reconhece que afinal, às tantas, querem lá ver que fiz merda, não dá para equiparar os dois casos. Mesmo assim, estrebucha e quer morrer a disparar. Fala naqueles “que em tempos defendiam a rectidão da licenciatura de José Sócrates“, mas de quem fala? Que se saiba, os únicos que defenderam Sócrates foram os magistrados do Ministério Público que investigaram a sua licenciatura. Esses nada encontraram de irregular depois de vasculharem a papelada. Quanto a todos os outros, incluindo personalidades e simpatizantes do PS, ou exploraram as acusações para o difamar ou não abriram a boca em sua defesa. Mas este Gonçalves não quer deixar dúvidas a ninguém de que massa é feito, e por isso usa uma fórmula caluniosa típica: “ao que corre por aí, uma determinada quantidade das disciplinas que o “eng.” Sócrates tão brilhantemente realizou não existirem à data da passagem dele por elas“. Corre por aí? Mas então a Procuradoria-Geral da República sabe menos do que o Gonçalves dos jornais? Isto merecia nova investigação, urgente e implacável, não só para finalmente apanharmos o gajo como para filar os magistrados corruptos que abafaram a coisa que corre por aí.

Ainda mais socrático do que o escriba acima tratado é o Carrilho. E com o Carrilho nunca falha, o seu ódio derrete blocos de titânio com vários quilómetros de largura:


Quando a história se repete, dizia Marx, depois da tragédia vem a comédia. Assim é, mais uma vez. Mas ao transformar a tragédia da licenciatura de José Sócrates numa comédia, Miguel Relvas faz mais: ele banaliza o que ainda assim se supunha excecional, reforçando o dano brutal que tudo isto tem causado ao País.

[...]

Claro que o Partido Socialista, que em tudo devia ser uma alternativa de valores a esta deriva rente ao abismo do descrédito, paga hoje a complacência com que cobriu as falcatruas e os desmandos socráticos, sem autoridade moral para dizer o que – em nome da mais elementar decência! – todos os portugueses lhe pedem que fosse dito.


19 de Julho

Carrilho considera uma tragédia o Ministério Público ter demonstrado que nada encontrou de errado com a licenciatura de Sócrates, e como nós o compreendemos. Carrilho igualmente considera que pertence a um partido que dá cobertura a falcatruas e desmandos, sendo incapaz de revelar um mínimo de decência. Este é o mesmo homem que Seguro queria à frente do Laboratório de Ideias, um ser megalómano consumido pelo ressentimento. Que pensarão os militantes e dirigentes socialistas de quem os pensa como um rebanho moralmente abjecto?

O que une mais fundamente Gonçalves e Carrilho neste tópico da licenciatura de Sócrates não é tanto a retórica marialva de impotentes políticos como a ausência de confronto com os factos. Os dois não explicam onde possa estar o erro na licenciatura de Sócrates, limitam-se a repetir e amplificar a acusação. E não explicam porque isso obrigaria a confrontarem-se com os elementos da investigação efectuada judicialmente. Mas a suspeita indelével que deixam é a de que os dois nem sequer conhecem o processo para além das parangonas e dos relatos dos fogareiros, que não seriam capazes de fazer um desenho com módica nitidez onde pudéssemos avaliar as perfídias cometidas pelo bandido.

Existe uma indústria da calúnia, com os seus caluniadores profissionais. O maior deles todos é o Pacheco Pereira, que chegou ao ponto de conspurcar a Assembleia da República na sua perseguição a Sócrates. E com estes caluniadores profissionais a história é sempre a mesma: quando se lava à mangueirada a camada sórdida que os cobre surge um corpo putrefacto

Sem comentários:

Enviar um comentário