sábado, 10 de março de 2012

Uma conclusão impressionista de alguém inexpressivo

Penélope | Blog Aspirina B




No editorial de hoje do DN, João Marcelino lá vai fazendo uma súmula daquilo a que a qualquer pessoa atenta ocorreria dizer acerca do caso do momento – o espírito vingativo de Cavaco e uma lista de razões óbvias ou abstrusas para mais uma argolada presidencial – até que, cansado de ser sensato e temendo ser acusado de socratista, ou de desleal (adjetivo da moda) ao patrão, avança para a seguinte afirmação, com a qual remata o tema:
“Sobra o País que, talvez agoniado, pensa seguramente que Sócrates seria muito bem capaz de fazer aquilo que Cavaco ontem fez. Ou seja, estão bem um para o outro.”

Extraordinária conclusão. João Marcelino acha que o país (metonímia para ele próprio) “seguramente” vê Sócrates, em funções, a escrever um prefácio de um livro seu a acusar diretamente Cavaco, ou outro político qualquer com quem se tenha relacionado institucionalmente, de deslealdade e outras ofensas políticas extremas. Chatice que, podendo-o fazer, não o esteja a fazer, não é?
Pois, a quem interessar possa, este “País” do Marcelino que sou eu está muito longe de achar tal coisa e já viu o suficiente para saber do que são capazes uns e outros no nosso panorama político. De tudo o que se constata nuns e não é investigado, sendo, pelo contrário, disfarçado, abafado ou desvalorizado, e do nada que se prova nos outros, por mais aturadas e dispendiosas as investigações, nada esse que, no entanto, é constantemente servido no altar sacrificial da imprensa com condimentos os mais variados e agressivos, de tal forma que a narrativa já prossegue autónoma dos factos e dos protagonistas, que não deixam de ser pessoas e estar vivas.

A paciência e cortesia públicas de que Sócrates sempre deu mostras no que toca à figura do PR não têm qualquer paralelo com a falta de contenção e de vergonha de Cavaco, que conspirou, e de que maneira, a partir de Belém, com a colaboração de um jornal, lançando suspeitas de espionagem sobre o alvo da sua raiva. Sabemos que não esteve nem está só nestes e noutros métodos semelhantes de abate de adversários. Outras personalidades da direita que nos governam os utilizarem e utilizam sem hesitar. Os comentadores políticos idem. Ainda ontem, o capcioso Pedro Lomba se lembrou de invocar, na SICN, o Freeport e as escutas do Face Oculta/”a tentativa de controlo da comunicação social” por Sócrates, também chamado mais pomposamente «o atentado contra o Estado de direito», para tentar justificar o desagrado crescente de Cavaco com o ex-primeiro-ministro e um possível desejo (para Lomba compreensível) de o demitir (!). Pobre do Sócrates. Perante estes abutres da direita, não passou de um anjinho. Os grupos de comunicação social em Portugal pertencem todos, sem exceção, a figuras da direita – Balsemão, Joaquim Oliveira, Belmiro de Azevedo… Nem se percebe como ainda temos notícia de certas coisas que se passam. Vale-nos a Rede e as traições/rivalidades internas que, desde tempos imemoriais, muito põem a descoberto. Mas enfim, nada disto pode ver nem dizer Marcelino. Marcelino acha que colocando Sócrates ao nível de Cavaco pode ir dormir descansado, cumprida, segundo ele, a regra da imparcialidade, ainda que com uma afirmação sem nexo.

Marcelino, que por uma reviravolta alinha agora com o atual governo, é, na televisão, um comentador inexpressivo e hirto. Não ri nem chora, não se entusiasma nem se indigna, não gesticula, não se mexe na cadeira, não ajeita o cabelo. Ao menos que se deixasse de impressões e de conclusões insustentadas.


===Foto CM: "Sócrates em Paris comanda resposta a Cavaco"

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