domingo, 24 de setembro de 2017

Diz o meu nome

















Diz o meu nome,
pronuncia-o,
como se as sílabas
te queimassem os lábios.
Sopra-o com suavidade,
para que o escuro apeteça,
para que se desatem os teus cabelos,
para que aconteça.

Porque eu cresço para ti,
sou eu dentro de ti,
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno.
Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido,
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci.
Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência.
Porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar,
outro rumo,
outro pulsar,
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos
no húmido centro da noite.
Diz o meu nome,
como se eu te fosse estranho,
como se fosse intruso,
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte,
quando suavemente
pronunciares o meu nome


Mia Couto

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