sexta-feira, 12 de junho de 2015

Ressentimento







 Nunca deixará de me surpreender o efeito do ressentimento no comportamento humano. Julgo não me enganar quando vejo o ressentimento como causa do acinte e do azedume tão evidentes nas recentes decisões do Senhor Procurador da República e do Senhor Juiz de Instrução. Mas o que considero extraordinário é que esse ressentimento resulte do facto de eu me ter limitado a exercer um direito que a lei me concede – dizer não a ser vigiado por meios eletrónicos. Como se, para estas autoridades judiciárias, o exercício legítimo de direitos constitua uma impertinência, um desaforo, um desrespeito para com a justiça. Este momento diz-nos muito sobre uma certa cultura judiciária. A acção penal democrática funda-se – e legitima-se – na liberdade, nos direitos individuais e nos limites que o Estado se impõe a ele próprio. Este despacho do senhor Juiz de Instrução e a promoção do Ministério Público a que dá seguimento são estranhos a essa cultura, pertencem a outra família, à da ordem, da submissão, da obediência – para ela, sim, os direitos existem, mas para serem utilizados com parcimónia, quando nós quisermos, quando nós dissermos, como nós quisermos, para o que nós quisermos. Lamento dizê- lo, mas o poder que exerceram não foi o do direito, mas o da força. Todavia, não raro o excesso, de força e de ressentimento, atraiçoa – há excessos de força que só expõem fraqueza. Tal é o caso e este é o ponto a que chegámos. 

JOSÉ SÓCRATES


Diário de Notícias | TSF 

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