quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O advogado de José Sócrates

João Araújo é um advogado diferente daqueles que habitualmente vemos nas televisões. Judite de Sousa chamou-lhe “desconcertante” na entrevista que lhe fez na TVI.




Admito que João Araújo irrita alguns jornalistas e  comentadores. Marcelo Rebelo de Sousa comentou as suas intervenções com ar displicente, tentando menorizá-lo.  Mostrou deselegância e falta de perspicácia. É possível que o advogado irrite também o juiz e o procurador do processo mas não necessariamente pelos mesmos motivos. É que as palavras e sobretudo as ideias que João Araújo vai deixando aos jornalistas no meio de respostas inesperadas, umas bem-humoradas, outras mal-dispostas, são implicitamente direccionadas a quem dirige o processo e decidiu as medidas de coacção.
Desde a detenção de Sócrates que o advogado João Araújo deu nas vistas, logo no Campus da Justiça, ao dizer aos jornalistas que o assediavam com perguntas que ia ler os jornais ou ver as montras. Os jornalistas não sabiam se haviam de lhe achar graça se protestar contra a maneira como ele lhes respondia. Os que “vivem” à porta da prisão de Évora aguardando pelas visitas de José Sócrates têm em João Araújo um manancial de “frases”, “bonecos” e tudo o mais que anima um programa de televisão. O Correio da Manhã não perde “pitada” mesmo quando João Araújo, ostensivamente, diz à repórter: “não falo ao Correio da Manhã”.
Este lado descontraído e “non sense”  do advogado João Araújo é uma  forma de comunicação extremamente eficaz sobretudo para as televisões. Um advogado assim é algo de inédito em processos mediáticos, só por isso capaz de prender a atenção de quem o vê. Se ele fosse um advogado como os outros que estamos habituados a ver e ouvir, aprumadinhos, controlados, tipo funcionários-de-grandes-escritórios, seria um entre muitos e ninguém lhe prestaria muita atenção.
Ora, João Araújo tem dito muitas coisas para serem ouvidas  por quem as deve ouvir. João Araújo não fala para as “grandes massas” que lêem o Correio da Manhã ou vêem a TVI. Mas esses gostarão também de o ver e ouvir, precisamente por ele ser diferente e parecer uma “pessoa comum”. Porém, o seu discurso é sofisticado e tem um sub-texto.
Quando ele fala do “lado político” da prisão de Sócrates que não pode deixar de ter influenciado necessariamente a decisão do juiz de o prender por ele ser “quem é” (um ex-primeiro-ministro) e que não estando  “acima da lei” também não está “abaixo”; quando afirma, com veemência, que num país civilizado a prisão preventiva é uma medida excepcionalíssima e que não se prende para investigar mas se investiga primeiro e só depois se prende, porque a liberdade é o valor maior;  quando remete para o director da cadeia de Évora a responsabilidade do circo mediático instalado à porta (que impede a família de Sócrates de o visitar); quando diz que acredita na justiça mas condena tudo o que a justiça tem feito com Sócrates; quando acredita no sucesso do recurso que interpôs para a libertação do ex-primeiro-ministro porque está “bem fundamentado”, Joâo Araújo está a chamar a atenção para aspectos cruciais  deste processo.
A argúcia de João Araújo vai ao ponto de responder na mesma moeda aos jornais que trazem todos os dias elementos da acusação a Sócrates. Onde os jornais dizem que o motorista ia a Paris com malas de dinheiro para Sócrates, João Araújo afirma que é mentira e que “o carro” de Sócrates nunca passou de Espanha (“de Badajoz aqui ao lado”); quando diz que “não há provas nem factos”  contra Sócrates e  “declara” que ele “não praticou nenhum dos crimes que lhe são imputados”, João Araújo descredibiliza as “notícias tablóides”  e “as aldrabices”, lançando a dúvida mesmo naqueles mais propensos a acreditarem que Sócrates cometeu todos os crimes (e mais alguns); quando ele diz a Judite de Sousa que Sócrates está “afrontosamente bronzeado” João Araújo está usar uma estratégia comunicativa absolutamente inédita e muito mais eficaz que declarações do próprio José Sócrates ditadas aos jornais.


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