terça-feira, 5 de agosto de 2014

Leituras



O mundo árabe

por ADRIANO MOREIRA | Diário de Notícias
A integridade da Europa, seja qual for a definição geográfica, em primeiro lugar com fronteiras estabelecidas e assumidas, com fronteira de interesses variável, e com a sua definição cultural reconhecida como parcela fundamental do património da humanidade que tantos serviços deve à tantas vezes esquecida UNESCO, teve sempre, e em circunstâncias de crise aguda com verdadeiro alarme, a necessidade de não perder de vista a solidariedade euro-africana. Sobretudo na área em que o Mediterrâneo deve ser considerado um lago comum e não um campo de batalha, ou um cemitério de desesperados a fugir da miséria do Sul na ignorância de que a norte a pobreza, em mais de um país, também está a ser expulsa pela miséria, apagados os anúncios da sociedade consumista.
Depois da Segunda Guerra Mundial, quando em vez da paz, ao menos entre os aliados, esta foi substituída pela Guerra Fria, o receio do avanço soviético até às margens do Atlântico chegou a fazer circular a ideia de transferir para o Norte de África algumas indústrias vitais para o conceito de segurança e defesa de resposta.
Mas teve maior relevo, e seguramente maior apego à convicção de que o desenvolvimento era o novo nome da paz, o projeto de substituir o regime colonial por uma colaboração institucionalizada, consentida e justa. Foi um projeto que teve instrumentos governamentais, e desapareceu sem certidão de óbito conhecida. Embora seja a África, considerada na sua unidade, que não pode desaparecer das preocupações, é o mundo árabe que mais desperta as inquietações, pela forma menos desejável, e parece dever reavivar a memória da sonhada solidariedade euro-africana, tendo o Mediterrâneo como centro.
Existem naturalmente diferenças em relação a cada um dos Estados desse mundo, nunca limitadas à área do Mediterrâneo, tendo como referência, não apenas de natureza, mas de história. Mas talvez possa seguir-se o conceito integrador de Mansouria Mokhefi, quando usa a expressão "le dos au mur". Sem pretensões de análise irrefutável, chama a atenção para o facto de a chamada Primavera Árabe ter como dinamizadora a explosão do desespero, que não é necessariamente muito diferente do da juventude europeia, sobre as dificuldades económicas e sociais dos seus países, que, talvez sobretudo pelo domínio dos meios de informação ocidentais, não os deixa tranquilos em face da política de desenvolvimento dos seus Estados.
É talvez exagerado imaginar que os move um conceito de democracia recebido do pensamento ocidental que dominara de maneira colonizadora os seus antepassados, mas parece terem diagnosticado pelo menos passados semelhantes aos regimes ocidentais, designadamente a situação financeira dos Estados, que suscitam reivindicações sociais e económicas, a exigência de liberdades públicas, de legitimidade política, as deficiências comparadas com sociedades ocidentais, nas áreas da liberdade de expressão, de emprego, de educação, de futuro. Neste ponto podem ser tentados a entender que o sistema de comunicação social está pelo menos a contribuir para uma visão crescentemente comum da geração mundial que herda a crise, o que sugeriria a oportunidade de um esforço para conseguir uma solidariedade global a favor do desenvolvimento em cooperação, atenuando ou contribuindo para eliminar a conflitualidade entre áreas culturais, designadamente religiosas.
O facto é que a crise social que se agrava a norte do Mediterrâneo, que ainda quando mostra crescimento não conhece aprofundamento da justiça social, sendo mais comum encontrar sinais semelhantes da quebra da relação de confiança entre as sociedades civis e os aparelhos de governo, com os países árabes a sofrer mais acentuadamente a expansão da pobreza, ou, como já foi dito com mais agrura, com a miséria a expulsar a pobreza. O futuro europeu, tão dificilmente perspetivável, também implica que o projeto euro-africano retome visibilidade, e que o seu conceito estratégico inclua contribuir para que o desenvolvimento sustentado seja o nome da paz em todo esse espaço solidário.






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