terça-feira, 12 de agosto de 2014

Leituras




A grande potência
por ADRIANO MOREIRA|  Diário de Notícias

Um dos conceitos que orientaram a política, ou a imagem possível que dela faziam as populações, era o da hierarquia das potências. Numa época sem organização formal das interligações mundiais dos poderes, a análise destacava o poder britânico, sem rival marítimo de relevo, ou analisava o relativo poder terrestre da França e das suas potências rivais. Quando da fundação da ONU, mais baseados na ilusão da vitória na guerra que apenas não tinham perdido do que na realidade dos poderes que restavam, procederam à distinção dos mais iguais com a atribuição do veto no Conselho de Segurança. De facto, a Europa, distinguida com dois nobilitados Estados, a França e a Inglaterra, nessa hierarquia, verifica que são os BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China) que se destacam no imaginário da opinião mundial, inquieta em busca de futuro, económico e financeiro tranquilos, embora a democracia prometida com o nome da paz se veja abalada na Rússia também vencedora da guerra e com direito de veto, a rua a pretender a mudança anárquica por áreas durante longos anos insuspeitos de atenderem a ordem habitual, como acontece na Turquia candidata à União Europeia, no Egito subitamente afastado da veneração pelas forças armadas, e sobretudo com um cordão muçulmano fazendo imaginar que o cemitério de emigrantes em que se transformou o Mediterrâneo poderá discutir pelas armas a harmonia entre o Alcorão e a mudança de regimes políticos.
Neste panorama, no Oriente é a China que segue tranquilamente a marcha para reunir o poder económico e financeiro com a clarificação de que o Pacífico tem mais do que uma autoridade com poder militar. Tudo visto, e não obstante os desaires e até desastres, pelo menos no que respeita aos ocidentais, são os EUA que ainda podem assumir-se como a potência indispensável, reunindo todos os interesses nacionais que convergem na fórmula que exige aos cidadãos manter o interesse permanente do país, interesse de conteúdo variável. Não se trata de ser realmente a casa no alto da colina para onde todos os olhares convergem, como se liderasse os destinos do mundo, que de resto não deixa ver com clareza que destino o espera em face da real anarquia da ordem mundial, dos abusos contra a natureza e da sofisticação crescente dos meios que permitem recorrer ao desafio final do combate armado, com a fórmula terrorista abençoando-se com a submissão a valores religiosos incluídos nas suas declarações programáticas.
É nestas circunstâncias que a União Europeia, sem conceito estratégico assumido e desencantada no labirinto de arranjos que dispensaram as regularidades dos tratados, teria vantagem em promover o regresso aos princípios, entre os quais o de impedir a evolução para qualquer forma de diretório mais ou menos discreto, e de má recordação em qualquer das formas, e prestar atenção e esforços no sentido de não consentir nas fragilidades da solidariedade transatlântica, para cuja solidez deveria ser suficiente a história e memória de duas guerras, hoje chamadas ambas mundiais. Tem sido recordada, em cerimónias variadas e em livros notáveis de investigação histórica, o que foi a então chamada Grande Guerra de 1914-1918, e que passou a chamar-se mundial para acompanhar a marca da brutalidade da segunda. É evidente que a capacidade de segurança e defesa europeias, autónomas, ambicionadas pelo Tratado de Lisboa, ainda que mereçam alguma atenção os meios ao dispor da Inglaterra e da França, não chegam para completar os esforços variáveis dos desatentos membros da União em crise. Para bem do geral e da recuperação de uma ordem mundial tranquilizante, parece cada vez mais evidente que os EUA não podem ser dispensados de uma função de equilíbrio que permita orientar em paz o globalismo, depois de o ter conseguido racionalizar. O que implica não perder a experiência de que o Atlântico não é um mar de separação dos ocidentais.

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