terça-feira, 29 de julho de 2014

Leituras






Afetos tirados a ferrinhos

por FERREIRA FERNANDES | Diário de Notícias

O líder da oposição britânica, o socialista Ed Miliband tem um problema. Anteontem, o Sunday Times falou disso (na primeira página) e ontem o Guardian voltou à carga: falta empatia a Miliband. Escreve-se sobre isso há meses e retomou-se a questão por estes dias porque o próprio fala do assunto. Mais, ele tomou medidas: contactou um académico de Cambridge, Simon Baron-Cohen (primo do cómico Sacha Baron Cohen), que considera que a empatia é um "solvente natural" capaz de fazer com que "qualquer problema imerso nele fique resolvido." Isto está escrito no livro Zero Degrees of Empathy (Zero Graus de Empatia). É natural que qualquer político que vá a votos necessite dessa tal empatia, a habilidade de parecer que sente a situação das pessoas e de se mostrar capaz de se pôr na posição e nas perspetivas dos outros. Ronald Reagan era mestre na matéria - por alguma razão era um ex-ator. Ed Miliband é um político preparadíssimo, desde a escola (Oxford, London School of Economics, Harvard...) até cargos governamentais e parlamentares - falha-lhe, ao que diz o atual debate, é a empatia. Sorte a dos socialistas britânicos. O líder da oposição portuguesa, o socialista António José Seguro, a quem falha quase tudo, tem um problema mais grave: quer ter empatia a mais. Confunde-a com uma sobredose de afetos (tirados a ferrinhos) que incomoda quem lhe sofre as intervenções públicas. É urgente que lhe encontrem um guru.





As pequenas pátrias

por ADRIANO MOREIRA | Diário de Notícias
As guerras pontuam a divisão de épocas, designadamente europeias, em grande parte porque a história é de regra escrita pelos vencedores, e foi em guerra interna, como que irracionalmente, impondo até este século o seu domínio no mundo, a que em guerra colocou um ponto final. No seu trajeto, o Tratado de Vestefália, na Guerra dos Trinta Anos, é geralmente apontado como o marco da época do domínio do modelo de Estado soberano, à espera de que o fim da guerra de 1914-1918, agora em celebração de memória, marcaria a afirmação do princípio do Estado-Nação. Os Estados tomaram várias formas, com regimes incompatíveis nos princípios e contradições nos interesses, mas o ideal da nação enquadrada pelo Estado manteve-se, embora a realidade continue afastada largamente do princípio.
Os impérios, o último dos quais foi, em ligação com a Europa, o da URSS, mantiveram-se como uma forma de unidade do poder sobre a diversidade, e em casos como esse a força tomou o lugar do cimento que é a solidariedade. Isto porque muitos Estados, ao contrário do que pode dizer-se da Suíça como exemplo evidente, são correspondentes a um pluralismo não convergente. Parece evidente que a ambição de uma União Europeia que corresponda à unidade do pluralismo convergente tem, entre mais dificuldades, o recente reaparecimento das ambições das pequenas pátrias em busca de um Estado privativo, ainda que não recusando a unidade ambicionada pela União.
A Península Ibérica é um exemplo, com teatros variados, num caso com total êxito na formação de nação portuguesa, mas casos com maiores dificuldades no restante dos povos que a habitam, de quando em vez manifestando a vocação para a formação de um Estado privativo. A diferença em relação às antigas colónias tornadas independentes pelo movimento de libertação, que se desenvolveu depois do fim da guerra de 1939-1945, é sobretudo porque o tempo, ingrediente necessário como dissemos, não foi suficiente para consolidar uma nova forma de vida comum solidária, que é, na tradição e semântica ocidental, a Nação. Tratou-se em regra de traçados territoriais arbitrários, presididos pelo interesse das potências dominantes, sem cuidar da espécie de pluralismo que tais fronteiras abrangiam.
Na dolorosa experiência portuguesa foi assim que Goa, chamada Estado da Índia, perdeu a sua identidade por violação do princípio da ONU sobre a manutenção das unidades criadas pelo colonizador, e foi assim, ainda mais tragicamente, no caso de Timor, vítima de dois genocídios na mesma geração, e finalmente libertado sem anular as pressões que ainda o envolvem. Mas a regra foi, como titulava um quadro que ficou célebre em Moçambique, que a invocação se traduzisse em - deixem passar o meu povo, guiado apenas pela submissão comum externa, para logo, em muitos lugares, a violência interna presidir à luta contra a submissão à unidade política, com preços excessivos. Mas em tais casos foi comum repetir a decisão ideológica da Indonésia - Unidade na Diversidade, viciada na aplicação em casos como o referido de Timor. Trata-se de um mundo que foi incidentalmente chamado pré-vestefaliano, pelo antigo conjunto de dominadores ocidentais.
Acontece porém que tal solidariedade, exigível para consolidar a União Europeia, mostra a dificuldade de definir um conceito estratégico que presida à procurada unidade dos Estados-Nação, sobretudo hesitante entre a Federação formal ou a formal União. A principal dificuldade está na história de cada Estado independente, nacional de regra, e soberano de facto, o que implica mais renúncias ao passado e mais adaptações ao presente, com agora a novidade do renascimento, não das pequenas pátrias, mas da multiplicação de ambições de se dotarem de Estado privativo, multiplicando em conflito a complexidade do atribulado processo unificador e os riscos de travar o processo. Nestes riscos está incluído o de a Europa perder a voz no mundo se não conseguir consolidar um processo de unidade.






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