No que imita o País
O cabeça de lista do PS às eleições Europeias, Francisco Assis, acusou o número um da coligação PSD/CDS de ter uma "obsessão patológica por José Sócrates".
A acusação - durante um debate emitido na Económico TV - surgiu enquanto Paulo Rangel dava como exemplo do despesismo socialista "os estádios do Euro pelos quais Sócrates foi responsável enquanto ministro do Governo de António Guterres".
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Algo se passa no reino desta Dinamarca chamada Partido Socialista que, no mínimo, causa perplexidade. Para mim, que não sou militante nem simpatizante, o motivo de interesse é estritamente cívico. Sendo o PS um dos garantes da integridade e qualidade da nossa democracia, assistir ao modo como se boicota a si mesmo é alarmante. É que (ainda) não existe outra organização partidária para cumprir o seu papel.
Atente-se no exemplo acima. Francisco Assis, lúcida e corajosa cabeça socialista (concorde-se ou não com ele), coloca no plano psicológico a diabolização de Sócrates feita pela direita. Com isso conseguiu produzir um comentário que é quase simpático para quem está a recorrer a uma das mais poderosas armas de condicionamento popular: o medo. O medo é tão mais eficaz quanto se alimente de uma condenação injustificada, de preferência injustificável, a ser repetida acriticamente por muitos. Foi e é assim com todas as formas de ostracismo, xenofobia, racismo, segregação, discriminação e linchamentos populares. E há uma oceânica literatura antropológica, sociológica, política e histórica a explicitar as estruturas e mecanismos ancestrais, ou modernos, que lhe conferem eficácia intemporal. Há boas razões para ter medo do que se desconhece, do que se estranha. Ter medo começa por ser uma actividade da inteligência, o resultado de sermos racionalmente conscientes. No senso comum, essa é a fonte da prudência. Na ciência, esse efeito origina o aperfeiçoamento do método. Na sociedade, os canalhas aproveitam para promover o ódio. Na política, os trastes enchem a pança de riso.
Será fácil apontar nomes de figuras públicas, ligadas à política e à comunicação social, para quem Sócrates se tornou a ocasião de manifestarem exuberantemente facetas psicóticas. Moura Guedes, Zé Manel, Helena Matos, Pacheco Pereira, Cintra Torres, Alberto Gonçalves, Judite de Sousa, estou a falar de vossemeçês, entre tantos outros. Mas quando assistimos ao quotidiano parlamentar fica claro que não há patologia porra nenhuma no bombardeamento imparável contra Sócrates. Talvez até nem haja registo de um único dia nesta legislatura sem que algum deputado do PSD ou CDS tenha enchido a boca com o nome da besta negra. Aquilo a que assistimos é antes ao plano de continuar a aplicar a mesma receita. Uma receita de incrível sucesso, pois ter conseguido colocar um desqualificado como Passos Coelho à frente do País num dos momentos mais difíceis da sua História é um feito equiparável a conseguir ir à Lua num Fiat 600.
Logo após as eleições de Junho de 2011, era claro, era óbvio, qual devia ter sido a estratégia do PS. Fiscalizar a aplicação do Memorando, denunciar qualquer desvio ao acordo que prejudicasse os portugueses e, sem demora nem vacilações, desmontar a gigantesca campanha negra que tinha dado o poder ao PSD e CDS. Infelizmente, a realidade decidiu introduzir na situação política nacional uma personagem absurda que se prestou a validar toda e qualquer deturpação, todo e qualquer achincalho que foram despejados para cima de Sócrates e de quem exerceu responsabilidades governativas a seu lado – portanto, para cima do PS. O problema maior nesse processo não está no que venha a ser o destino político desses alvos, algo que só a eles diz respeito. O que está em causa do ponto de vista cívico é que me importa, e trata-se da qualidade da nossa democracia. Chegar ao topo do poder em Portugal através do pior da baixa política, já para não falar das golpadas mediáticas e justicialistas, não defende os meus interesses nem os interesses das pessoas a quem quero bem.
O PS está num dos piores períodos da sua existência, no que imita o País. Ao mesmo tempo, está cheio de talentos com provas dadas e promessas que justificam a melhor esperança. No que imita o País.
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