segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Leituras

Os segredos do mordomo de São Bento


A última edição da Sábado traz uma reportagem com o homem que começou a trabalhar em São Bento com Marcello Caetano e se reformou com Passos Coelho. «O Silva», como era tratado o mordomo, não é homem para grandes inconfidências. Talvez com excepção do consulado de Santana Lopes, que parece ter virado do avesso a residência oficial: «Sempre lidei com o dr. Santana Lopes e era um homem impecável. Mas quando entrou para primeiro-ministro talvez o mando lhe tenha subido à cabeça. Aquilo mudou como do dia para a noite. Não sei se as pessoas não tinham conhecimento do que era um gabinete de um primeiro-ministro. Um dia, o chefe de gabinete pediu um cinzeiro a um colega meu, coitadito, que já era velhote, e lhe disse que ali ninguém fumava. “Sr. dr., vou ver se arranjo…” Mas ele pega no charuto que estava a fumar e apaga-o em cima da secretário do contínuo. Andava tudo às aranhas.»

«O Silva», aparentemente, estranhou os hábitos do santanismo: «Festas não havia. Mas ele recebia pessoas. Às vezes eram 21h ou 22h, apareciam ministros ou pessoas amigas. Ficam até às 3h ou 4h. Ou 5h. Era conforme. E a gente tinha de lá estar. Eu ou outro colega. Nessa altura, tinha mais dois colegas que faziam o mesmo: serviamwhiskies, cafés e chás. Nessa fase gastava umas duas caixas de whisky JB por mês, de seis garrafas cada uma.»

O regime de bar aberto começou e acabou com Santana. Cavaco, por exemplo, tinha outrohobby mais salutar: dar umas braçadas. Para tanto, construiu uma piscina no local onde estavam os históricos galinheiros que tinham pertencido à outra Maria, a célebre governanta de Salazar, e a horta dos jardineiros e motoristas. Usava-a aos fins-de-semana, na companhia da família e dos amigos dos filhos. «O Silva» nunca viu o estudo de custo-benefício da transformação da actividade agro-pecuária em turismo de lazer.

Cavaco levou uma vida sem sobressaltos em São Bento. A excepção que confirma a regra aconteceu quando o general Garcia dos Santos entrou na mansarda, postou-se à porta dos aposentos de Aníbal e Maria e exigiu — «aparentemente zangado e sem autorização» — falar com o então primeiro-ministro. «O Silva» temeu o pior: «E se fosse um atentado? E se os militares quisessem tomar o poder?» Pela primeira e única vez na vida, bateu à porta do quarto de Cavaco. Explicada a situação, o primeiro-ministro disse: «Fez bem, fez bem. Eu não recebo esse homem, não recebo esse homem.» Depois, perguntou: «Está aí o oficial de segurança?» «O Silva» assegura que a normalidade foi reposta, já o Sol ia alto: «Enquanto o oficial veio e não veio, o primeiro-ministro não saiu lá de cima do quarto, e já deviam ser umas 9h e tal quando desceu.»

Pouco mais há a acrescentar sobre as inconfidências do mordomo: «o Silva» jogava à bola com os filhos de Balsemão, que, «quando deixou o Governo [em 1983], desceu as escadas de São Bento agarrado a mim a chorar». Guterres gostava de chocolates. Durão Barroso era «uma pessoa mais distante». «Para o pessoal menor, o eng. Sócrates foi sempre correcto», mas foi com o último primeiro-ministro que as horas extraordinárias do pessoal foram reduzidas. Quem diria que um primeiro-ministro apodado de despesista pela direita se preocupou em reduzir a despesa?

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