sábado, 1 de fevereiro de 2014

Leituras




Bartoon | Público






Hoje no Expresso (via Nuno Oliveira)
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OPINIÃO

"Discurso geracional" e guerra aos "velhos"

Estes antigos “jotas” do “discurso geracional” que hoje estão no poder são a encarnação viva da partidocracia.



A moção de Passos Coelho ao Congresso do PSD nada tem que ver com a matriz social-democrata do partido, nem com o seu programa genético definido pelos fundadores, em particular Sá Carneiro, mas já tem mais que ver com a história concreta dos partidos portugueses nos últimos anos, em particular nas “jotas” e o seu papel na ascensão de políticos profissionais dentro dos partidos.
A moção foi escrita pelos seus assessores de formação naquilo que impropriamente se chama “neoliberalismo” e que funciona em Passos Coelho como ideologia de substituição, a que hoje se agarra com a mesma convicção com que era desenvolvimentista e defensor das grandes obras públicas de Sócrates como o TGV, quando estava na oposição a Ferreira Leite. Mas, na sua moção (que analisei com mais pormenor noutro artigo), há um interessante ponto que, embora formulado na actual vulgata ideológica, remete para outras “histórias”. Refiro-me à afirmação de que existe uma “apropriação excessiva dos direitos das gerações futuras por parte das actuais gerações”. Ou seja, o ataque a reformas e pensões, aos direitos adquiridos e a outros aspectos daquilo que consideram o statu quo, não é uma consequência conjuntural das imposições da troika, mas uma revolução estrutural destinada a impor uma justiça “geracional” entre “gerações actuais” e “futuras”, ou seja, uma luta social assente na idade.
A formação do actual discurso governamental sobre os “jovens” e os “velhos” vem de bastante atrás. Veio das “jotas” nos anos oitenta e noventa do século passado e chamava-se “discurso geracional”. Tratava-se de um discurso reivindicativo de mais lugares, mais funções, mais poderes, e funcionava como legitimação política para assegurar a autonomia das juventudes partidárias e dar-lhes um espírito de corpo. Era um discurso sindical que se dirigia em particular aos partidos adultos, em que estes “jovens” atrasavam quanto podiam a sua entrada plena, até porque tinham muito mais poder na sua estrutura juvenil do que teriam mais tarde dentro dos partidos. A “juventude” sempre foi uma boa “marca”, com boa imprensa e a que muita gente acriticamente faz vénias.
Foi preciso passar alguns anos e assistir à ascensão destes grupos através da política profissionalizada, que foi e é a sua impressão digital, para que os partidos adultos lhes caíssem nas mãos. Primeiro, as secções, depois as distritais ou as federações, e por fim as direcções partidárias. Pelo caminho, este processo de controlo político crescente dos partidos pelas “jotas” implicava a sua ocupação cada vez mais significativa dos cargos a que os partidos políticos tinham acesso por via eleitoral ou, mais comummente, por via da partidarização das estruturas do Estado.
O fenómeno dos boys institucionalizava essa ocupação do Estado e não é por acaso que, na palavra inglesa usada de forma pioneira por Guterres, estava implícito que se tratava de “rapazes”, ou seja, de jovens. Os lugares nas autarquias, nas empresas municipalizadas, nas assessorias, nos sectores regionalizados da saúde e da educação, em certas áreas governamentais consideradas propriedade das “jotas”, como o Instituto da Juventude, o desporto, nas múltiplas nomeações governamentais em que as “jotas” tinham uma quota, nos grupos parlamentares, no Parlamento, no Parlamento Europeu, nos gabinetes ministeriais, faziam parte do currículo desse novo tipo de carreiras profissionais a que se acedia pelas “jotas” dentro dos partidos. Este processo ia a par com a ausência de estudos, a falta de uma experiência verdadeira no mundo do trabalho, nenhuma carreira profissional, ou mesmo profissão fora da política, e muitas vezes cursos desqualificados ou apenas “frequência” de cursos, e profissões ambíguas nos registos biográficos como “consultor”.
Foi esta a escola de Passos Coelho e Miguel Relvas, mas também de Seguro e de muita da sua equipa. Todos usaram, nas juventudes que dirigiam, esse discurso “geracional” como instrumento de reivindicação política e de ascensão pessoal e de grupo. Um dos aspectos desse discurso era que, para além da idade, não havia qualquer substância própria nessa identidade geracional de que se reclamavam. Podia e havia modas, mas eram societais e comunicacionais, muitas vezes idênticas aos jornalistas da mesma idade e “geração” que criavam cumplicidades úteis para os dois lados, que marcam também este tipo de profissionalização. Mas havia pouca política.
O “discurso geracional” era um discurso muitas vezes horizontal, em que os responsáveis da JSD e da JS diziam substancialmente o mesmo e muitas vezes se entendiam, sempre numa afirmação de comunidade geracional alheia a qualquer consideração política e ideológica. Era a idade que os unia, mas, mais importante do que isso, era o facto de estarem em partidos políticos e terem uma visão profissionalizada da vida política, onde estavam no início da carreira e tinham ambições. O seu plano de vida era fazer carreira nos partidos políticos e foi nisso que se especializaram e foi aí que tiveram sucesso.
Faziam muitas vezes a rábula dos “jovens irreverentes”, mas isso, com o tempo, tornou-se apenas o modo como se tornavam disponíveis para fazer o “trabalho sujo” dos partidos políticos, que eram encomendados pelas direcções partidárias às suas “jotas” e que estas faziam com agrado. Na fase inicial deste processo de profissionalização dentro dos partidos ainda houve alguns genuínos actos de identidade e revolta, como o voto de Pedro Pinto na questão do aborto, ou a formação de uma identidade ecológica na JSD, mas, depois, tornaram-se apenas serviços, muitos dos quais encomendados às “jotas” para desresponsabilizar o partido adulto.
Na verdade, a única identidade política que unia os autores do “discurso geracional” era a defesa das suas carreiras dentro dos partidos e através dos partidos o acesso ao poder económico, social e político. Hoje, um governo de antigos “jotas” é um maná para as “jotas” actuais que estão por todo o lado no governo e à sua volta. O mesmo se passa na oposição do PS, com a esperança de ocupação do estado com peso idêntico ou maior do que a outra “jota”.
Embora sejam hoje homens de meia-idade, já velhos para o mercado de trabalho se quisessem entrar nele, estes antigos “jotas” do “discurso geracional” que hoje estão no poder moldaram a política partidária nos últimos anos e são a encarnação viva de um dos grandes problemas da democracia portuguesa, a partidocracia. Numa altura de gravíssima crise política e social, eles são a única “oferta” que os partidos políticos têm para dar aos seus eleitores e essa oferta é má e a milhas do que era preciso. Mas a hegemonia dos partidos da vida pública, defendida com unhas e dentes, garante a sua manutenção.
Não é por isso de estranhar que os actuais governantes não tenham nenhum problema em usar os discursos de divisão social, em que se especializaram quando do “discurso geracional”. A frase da moção de Passos Coelho sobre a “apropriação excessiva dos direitos das gerações futuras por parte das actuais gerações” é prenhe de significado político e ideológico, mas deve ser combatida sem transigências. É má no plano político e falsa no seu conteúdo. Quem define o que é “excessivo”? Como se pode arrogar de “defender” os “jovens” quem degrada as suas condições de vida actual, inclusive ao atirar os seus pais e avós para a pobreza, e quem empurrando-os para o desemprego, a emigração ou para a precariedade, lhes estraga o presente e o futuro? E que “futuro” vão ter, sendo menos qualificados e com salários mais baixos, “ajustados”? É retórica que usa a juventude para garantir uma nova hierarquia social de poder, mas nada mais do que isso.
Mas não é só isso. A frase também é má no plano da moralidade social, gera gente má e indiferente aos estragos que faz na vida alheia, gente que perante qualquer problema tende a de imediato culpabilizar sempre os mais fracos, e assenta no uso do poder do Estado para atacar quem tem pouca defesa e nenhum recuo no meio ou no fim da vida. Até porque a juventude defende sempre os mais jovens, dá-lhes mais mobilidade e oportunidades, por poucas e difíceis que sejam, e a idade adulta, que é a do “desemprego de longa duração” e a da velhice, que é a dos cortes nas reformas e pensões, essas não dão oportunidade nenhuma. Para eles, não há “impulso” nenhum, são aqueles para quem existe apenas uma sanção moral pelo seu “culto da gratificação imediata e da consideração de curto prazo em desfavor da reflexão prospectiva”. Este é o produto de gente mal formada, como se dizia antigamente. Linguagem do passado, bem sei, sem “reflexão prospectiva”.


FERREIRA FERNANDES

Ó pra mim a ser do contra!

por FERREIRA FERNANDESHoje | Diário de Notícias


Em 2012, o Governo decidiu abolir quatro feriados. O argumento foi o do aumento da competitividade na economia, perigosa forma de justificar o que quer que seja em Portugal já que o tempo encarrega-se sempre de desmentir. Mas, em todo o caso, o fim dos feriados não é o meu ponto, hoje. Aceito que haja prós e haja contras e até gosto que, uns e outros, se expressem de forma irada ou em aclamação - na opinião, a palavra gritada tem pelo menos o mérito de abanar a morrinha. Ainda há um mês, Marcelo, na sua habitual missa na TVI, vergastou: "Acho que a abolição dos feriados foi das coisas mais estúpidas deste Governo." Paf!, sem paninhos quentes. Devíamos falar assim mais vezes, nas homilias e nos debates, nas conversas entre amigos e nos conselhos de administração. Sendo a nossa tendência pegar a palavra de cernelha, agarrá-la pelos cornos só nos faria bem. E também no Parlamento não ficava mal mais força na voz. Outra coisa, porém, é o tom gritado ser, não na opinião, mas num projeto de lei. Os projetos de lei não são lugares de trincheira, como a opinião pode ser, mas de abrangência de ação. Não querem dividir, mas unir e alargar. Assim, quando o PCP apresenta um projeto de lei com o título de "Reposição dos Feriados Roubados", não estava interessado em ganhar um projeto de lei. Depois, mudou "roubados" para "abolidos" e perdeu a votação mas nada disso interessa. Ele só queria fazer prova de vida de oposição. Estéril.


FERNANDA CÂNCIO

O narcotráfico da direita

por FERNANDA CÂNCIOOntem | Diário de Notícias


Em Espanha, o Governo PP apresentou uma lei para restringir o aborto a situações de risco de vida para a mulher e violação - malformação do feto (ou seja, trissomia, ausência de membros, etc.) e vontade da mulher deixam de ser "causas admissíveis". Em Portugal, o PSD propôs um referendo sobre coadoção por casais do mesmo sexo. Em Espanha, 80% dos espanhóis são, nas várias sondagens, contra a alteração da lei proposta pelo PP (cujo Governo chega, imagine-se, a alegar que esta visa "aumentar a natalidade" e portanto "melhorar a economia"). Em Portugal, de acordo com uma sondagem publicada ontem no i, maioria é contra referendo e a favor da coadoção (e até da adoção por casais de pessoas do mesmo sexo). Em Espanha, o PP está dividido sobre a lei do seu Governo e cada vez mais se crê que esta irá para a gaveta; em Portugal, o PSD anda ao estalo por causa do referendo, predizendo a toda gente que nunca terá lugar.
Vejamos, pois: que leva dois Governos de direita, com a popularidade em frangalhos, a fazer propostas destas, contrárias ao interesse da maioria dos cidadãos e controversas dentro dos próprios partidos, em países submetidos a brutais medidas de austeridade? Convicção ideológica? Se no caso do Governo espanhol é admissível, no do PSD português, cujo presidente e atual primeiro-ministro já defendeu publicamente não só a adoção por casais do mesmo sexo como reputou de inconstitucional a sua proibição (já referendar uma inconstitucionalidade, pelos vistos, não acha inconstitucional), é claro que não. Que vantagem viram então nestas manobras?
Óbvio: tanto o PSD como o PP espanhol estão apostados em satisfazer a única fação das sociedades portuguesa e espanhola que vê abominações no aborto e nas uniões homossexuais, a saber, a Igreja Católica. Não os católicos em geral, muitos deles discordando frontalmente da doutrina oficial da sua Igreja; a hierarquia e os integristas. Muito pouca gente, sim (como aliás se viu no referendo de 2007, que legalizou o aborto por vontade da mulher em Portugal), mas muito poder e dinheiro, e sobretudo aliados inestimáveis na pacificação e no controlo de uma sociedade cada vez mais empobrecida, controlo esse que em Portugal o Executivo está a passar a olhos vistos para as mãos das organizações católicas, tendo até recentemente o secretário de Estado da Segurança Social aventado que estas poderão passar a administrar a atribuição do RSI e outras prestações sociais.
A religião já não é de certeza o ópio do povo, mas o aborto e a homossexualidade são o ópio, pão e sal da Igreja Católica (como o próprio Papa já admitiu). E PSD e PP querem ser os reis desse narcotráfico, sonhando contar com os "samurais de Cristo" como aliados e braço armado. Seguindo o mote da Frente Nacional francesa, a direita da Europa Ocidental quer importar a intifada religiosa que vem de Leste. Se a ironia matasse.



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