segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Leituras

Notícias da boa moeda


Não está a correr nada mal

Há uns dias, disse a uma pessoa amiga que me lembrava de uma sua reacção a um certo facto ocorrido poucos anos atrás. Ainda antes de ela me perguntar do que me lembraria ao certo, declarou e demonstrou que não tinha sequer reagido. Encostado às tábuas, fiz um mortal à retaguarda e acabei a pedir misericórdia recorrendo à retórica de ter sido a sua ausência de resposta aquilo de que me lembraria. É possível que esta explicação final esteja correta, no sentido de ter ficado impressionado pelo facto de não ter reagido, mas a facilidade com que afirmei lembrar-me do que não estava em condições de descrever revela algo de essencial a respeito dos processos pelos quais se formam falsas memórias. Este tópico da invenção de memórias, aliás, tem merecido extensa investigação e literatura nas últimas décadas, com particular ênfase na exploração mediática de memórias falsas de abuso sexual paterno, sendo especialmente importante no campo policial e judicial por óbvias razões.
Sócrates voltou a falar da sua memória do jogo Portugal-Coreia do Norte de 1966, para a confirmar, reforçar a sua veracidade (informou que se trata de uma das suas memórias de infância mais queridas, tendo-a partilhado com a família, amigos e com o próprio Eusébio) e chamar a atenção para o facto de não ter dito que nesse tal sábado tinha ido para a escola ter aulas mas, isso sim, para jogar à bola. Entretanto, ao longo da semana passada apareceu o testemunho de Jorge Patrão, o qual confirmou a lembrança de Sócrates e deixou outras pistas para quem quisesse confirmar o seu relato. Aparentemente, nenhum jornalista quis ou não houve interesse em publicar a confirmação. O servicinho estava feito, pela milionésima vez.
Não existe na comunicação social portuguesa nada que se compare ao poder e agenda do Correio da ManhãSolPúblico do Zé Manel, Expresso do Monteiro, TVI do casal Moniz, SIC do Balsemão e do Crespo e até da Rádio Renascença. Estes órgãos dedicaram-se desde 2007 a um trabalho sistemático de difamação e calúnias, ou apenas à replicação e amplificação do seu eco, com os mesmíssimos alvos: Sócrates e o PS. Foram alimentados a jusante por magistrados que espiaram e perseguiram politicamente o ex-primeiro ministro, e que cometeram crimes de violação do segredo de Justiça, e validados a montante pelas forças políticas que aproveitaram o material sujo para o combate político. Até o Presidente da República quis ser protagonista dessa estratégia terrorista, acumulando o papel de aproveitador das campanhas negras com o de seu produtor. Em simultâneo, o Pacheco Pereira andava de cronómetro na mão a fiscalizar os segmentos das notícias de política no Jornal da Tarde da RTP, os imbecis abraçavam-se em delírio aos ranhosos por causa de um anúncio da Antena 1 que tinha ousado usar o tema da greve para promover os seus serviços noticiosos e no Parlamento passarões que desconheciam o que fosse a Ongoing estiveram meses a queimar o Governo socialista e recursos vários só para concluírem que o Correio da Manhã era o jornal que tinha mais investimento publicitário do sector público.
Não conheço nenhum estudo que se tenha dedicado à análise e reflexão do impacto que Sócrates teve na sociologia política – aliás, na antropologia – de um país onde os extremos se tocam, onde o PCP é uma instituição apreciada pela extrema-direita e onde a extrema-esquerda se alia à direita do pote para derrubarem um Governo de centro-esquerda com obra feita e projecto na defesa do Estado social, desenvolvimento económico, aposta na Educação, avanço científico e promoção da liberdade. Não sei o que diriam os infelizes que assinaram textos a acusarem bovinamente Sócrates de ter mentido sobre uma memória de infância se tivessem de expelir opinião sobre as caudalosas mentiras e devassa da sua privacidade e da sua família que se abatem sobre Sócrates desde a altura em que foi considerado politicamente imbatível por vias lícitas. Muito provavelmente, acham muito bem tudo o que lhe tem sido feito, porque ele merece isso e pior.
No fundo, o que este ódio a Sócrates revela, para além da natureza moral e condição mental dos algozes, é o antiquíssimo desejo de eliminar os adversários através de um festivo linchamento popular. E não se pode dizer que esteja a correr mal, não senhor.

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