quarta-feira, 26 de junho de 2013

Leituras





Os espiões já não são o que eram

por Ferreira Fernandes / Diário de Notícias



Nos bons velhos tempos, a preto e branco, leste-oeste, se a URSS tinha um espião americano, ele era um piloto abatido a filmar bases russas (1960, Gary Powers, piloto de um U-2). Seguiam-se jogos de xadrez entre líderes mundiais. Nikita Khrushchov: "Abatemos um avião espião." General Eisenhower (pensando que o piloto tinha morrido): "Qual espião? Era um avião de meteorologia, perdido." Khrushchov (fazendo xeque-mate) : "Ai era? Não é o que diz o piloto...", e mostra-o em tribunal. Tudo acabava meses depois numa ponte de Potsdam, entre duas Alemanhas e trocas de espiões... Preto e branco, leste-oeste, duas margens. Hoje, o espião americano se o era, foi em part-time, está arrependido, entra na Rússia num voo em classe turística e avisa que já marcou voo seguinte para Havana. Os jornalistas marcam lugares nas cadeiras ao lado, fotografam a vazia e escrevem no Twitter, desiludidos: "Afinal, Snowden não apareceu." Vivemos dias em que é surpresa os espiões não cumprirem o que anunciam. Entretanto, o espião continua no aeroporto de Sheremetyevo, em Moscovo, mas a CIA não sabe se no lounge para passageiros frequentes com cartão Gold, se escondido numa casa de banho ao lado do Duty Free. O segredo de Edward Snowden é que os americanos sabem tudo. O álibi dos americanos é que não sabem de Snowden. Diz Putin: "É como tosquiar um porco, muitos gritos mas pouca lã." Resta essa constância histórica: os líderes russos continuam manhosos.





O Brasil, um país em expansão?

 
 
por  Mário Soares / Diário de Notícias
 
 

1. Assim o pensámos desde que Fernando Henrique Cardoso, depois Lula da Silva e agora Dilma Rousseff transformaram o Brasil num dos grandes países em expansão, como a China, a Rússia e os Estados Unidos, obviamente. O país do futebol, também, com o Mundial de 2014. Um grande acontecimento.

Para tanto, estão em construção novos estádios, nesse Estado imenso chamado um país continente com 8 514 876 km2 de território e 196 milhões de habitantes. De longe o mais vasto Estado de língua portuguesa - esse país irmão membro da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) - coisa que os britânicos não permitiram que acontecesse à sua antiga colónia, de fala inglesa, os Estados Unidos, que nunca entraram na Commonwealth, a comunidade dos Estados de língua inglesa... Porquê? Por fraqueza ou por medo, seguramente.

Entretanto, a América de Roosevelt criou a Aliança Atlântica, mais tarde NATO, a que Portugal aderiu, apesar de ser uma ditadura e Salazar amigo da Alemanha de Hitler, a quem vendeu muito volfrâmio. Mas no fim da Guerra a preocupação principal do grande Churchill era o comunismo, que ocupou, com a vitória na segunda grande guerra, a chamada Alemanha de Leste e os outros Estados do Leste ocupados pelos soviéticos.

Vem tudo isto a propósito do que se acaba de passar, de forma completamente inesperada, em diferentes estados brasileiros: as manifestações que ocorreram, sobretudo, de jovens, quase todos da classe média. Manifestações pacíficas, algumas atacadas pelas forças policiais, com violência, que só provocaram mais manifestações em vários Estados, mas sempre mais ou menos pacíficas. Contra o quê? Contra a corrupção, principalmente, mas também contra o futebol - imagine-se! -, o despesismo, que parece ter vindo a crescer com a criação de novos estádios e o arranjo megalómano dos antigos.

É estranho que isso tenha acontecido com uma população que em geral ama o futebol. Mas, ao que parece, por duas razões: pela corrupção que está ligada ao futebol, a propósito da construção de novos estádios e das remodelações dos antigos, e pelo preço dos bilhetes, ultracaros, impossíveis para que os jovens que estão a começar a sua vida os possam comprar.
Sucede isto quando a Presidente Dilma Rousseff, que lutou contra o "mensalão" e levou a tribunal e depois à cadeia, sem hesitar, vários elementos do seu partido e do de Lula.

Mas a história dá muitas voltas. A primeira manifestação realizou-se em São Paulo e a polícia de choque atacou com violência, o que foi um motivo de grande indignação para toda a gente e não só para os jovens. Resultado: uma questão pacífica comunicou-se a vários estados federais, como o Rio de Janeiro, Baía e Brasília, e pode vir a contaminar outros estados, como Minas Gerais, e diversos países da América Latina.

A Presidente Dilma Rousseff, por razões que desconheço, falou, talvez, tarde demais. Mas falou bem e de forma moderada e compreensiva, em relação aos jovens manifestantes. Mas a situação já se tinha alastrado. E as coisas, entretanto, tinham-se agravado. A indignação comunicou-se a todo o Brasil e em alguns casos tornou-se violenta, como sucedeu no sábado passado. E as televisões, como sempre acontece, deram notícia do sucedido e não só no Brasil... Curiosamente, Lula da Silva tem estado calado.

No sábado passado a Presidente falou de novo e muito bem, quanto a mim. Aceitou a indignação dos jovens e elogiou o facto de se terem manifestado. Mas chamou a atenção para o facto de não admitir a violência e alguns distúrbios que fizeram (que vi na televisão) tentando arrancar pedras das calçadas e destruindo carros e janelas de prédios. Ora, isso é crime e será punido. Disse Dilma, como aviso.

Espero que as coisas se recomponham e entrem na normalidade. Mas não estou certo de que assim seja. A raiva contra a corrupção e as desigualdades sociais, tão manifestas no Brasil, apesar dos progressos sociais feitos, nesse sentido, pelos anteriores presidentes, Lula da Silva em especial, e pela atual Presidente, dadas as promessas que fez, envolvendo o próprio petróleo, serem muito importantes. Assim, temo que as manifestações continuem. E mais: contaminem outros Estados latino-americanos, onde as desigualdades sociais sejam grandes, como a corrupção.

Veremos o que se passará nos próximos dias. Porque as coisas são o que são e não é só a União Europeia que está em crise. Parece ser o que se passa mais ou menos, e por diversas formas, no mundo inteiro. É uma nova civilização ou diferentes que estão em mudança. E não toleram as desigualdades e a corrupção, onde todos sabem tudo de todos...

2. A TURQUIA, A SÍRIA, O IRÃO E O MUNDO ISLÂMICO
Comecemos pelo Irão, onde ocorreu uma grande mudança: as eleições que deram a vitória a Hassan Rohani, religioso moderado, eleito pela sociedade civil, contra o fanático da bomba atómica, Mahmoud Ahmadinejad, e o Guia Supremo, Ali Khamenei.

Visitei o Irão há poucos anos, com a Academia da Latinidade, sob a direção do professor brasileiro Cândido Mendes e com a minha filha, Isabel, que, aliás, teve de ir com a cara tapada, como era da praxe. Além da capital, visitei Ormuz, que foi território português e que tem ainda um castelo português, que devia ser recuperado.

Fui também a outras cidades, sobretudo do Sul, onde permanece a história da grande Pérsia, do tempo de Alexandre Magno. Ficámos alojados na capital num grande hotel, com uma comida horrível, e fomos recebidos pelos principais personagens do regime que agora perderam a sua importância, como Ali Khamenei. Autorizaram-nos a visitar um museu de arte moderna (sobretudo francesa) de rara beleza mas que não estava aberto ao público...

Como no nosso grupo havia pessoas de várias nacionalidades, bastantes embaixadores europeus convidaram-nos para jantares (incluindo o português), em que estavam presentes as autoridades do regime que, exatamente às dez horas da noite, sistematicamente, saíam. A partir de então, as senhoras convidadas tiravam os véus que tapavam as suas caras e os homens começavam a beber whisky e vodka. A sociedade civil não escondia a sua oposição às autoridades, dado o medo, que sempre existe, quando não há democracia.

Tinha antes, de longe, seguido a derrota do Xá da Pérsia, como se chamava no Irão, e a sua morte. Conheci, em Paris, a rainha Farah Diba, aliás, uma senhora de excecional beleza e simpatia pessoal.

O Irão atual vai ser diferente. Quer refazer relações com os Estados Unidos e a Europa e vai contribuir muito para que haja uma nova relação de forças no mundo muçulmano.
A TURQUIA É OUTRA COISA

A situação está a deteriorar-se de dia para dia. E o primeiro-ministro, Erdogan, que foi eleito democraticamente, nos primeiros tempos manteve um equilíbrio entre muçulmanos, cristãos e mesmo judeus, parece agora agarrado ao poder como uma lapa e perante o descontentamento da população com- porta-se como um ditador. O que está a tornar-se perigoso e insuportável.
Conheço relativamente bem a Turquia. De Istambul a Ankara e do Centro até à costa mediterrânica. Sempre apreciei a história desse admirável país, membro da NATO, que pensei devia ser membro da União Europeia e, nesse sentido, me pronunciei inúmeras vezes.
Contudo, alemães e franceses nunca o quiseram. Não sei porquê. Hoje, são responsáveis, em grande parte, pela situação a que a Turquia chegou, esquecendo os ensinamentos de Ataturk e com a luta entre muçulmanos extremistas, alguns próximos da Al Qaeda, cristãos e judeus. Uma tragédia que conta já com milhares de mortos e feridos e Erdogan a transformar-se em ditador, para se impor - ao que parece em vão - às arruaças e manifestações violentas que se repetem sem que haja uma saída à vista. Assim vai o Médio Oriente com perigo para todos, palestinos e judeus, cristãos coptas, protestantes, ortodoxos e alguns católicos. Além dos muçulmanos, xiitas e sunitas. E com a NATO a desaparecer aos poucos. Uma tragédia de que a Alemanha e a França não querem sequer ouvir falar...
A SÍRIA É OUTRO CASO

Uma luta de dois ditadores que vem de longe: pai e filho, ambos ditadores. Conheci o pai quando visitei a Síria e falei com ele. O filho nunca o conheci, mas é parecido com o pai, que me recebeu em Damasco, a única cidade síria que conheço, e que tem grande valor religioso e artístico. Tinha ele então o gosto (ou o interesse) de conhecer e falar com os políticos europeus.

Mas não gostei dele, porque sou democrata e abomino os ditadores...
A Síria vive hoje uma verdadeira guerra civil, onde têm morrido milhares de sírios pelo simples crime de querer mais liberdade e democracia. Contudo, a União Europeia não intervém - nem a Alemanha nem a França - e os próprios Estados Unidos também não. Porquê? Porque não têm vontade política de travar a mortandade, ao contrário da Rússia, que os ajuda com armas, ao antigo estilo soviético... Lembro-me de em tempos ter passado, num barco que parecia deserto, indo da Grécia para Israel e pararmos uma noite num porto sírio, Lataquia, onde vimos com surpresa alguns generais soviéticos a controlar a descarga do barco em que íamos e que, sem o sabermos, transportava material pesado de guerra...

Mundo cão! Quando os interesses financeiros se sobrepõem aos valores, temos tudo estragado: da política aos Estados. São os mercados que contam e não as pessoas...

3. COIMBRA TEM MAIS ENCANTO Foi importante que a UNESCO considerasse como Património da Humanidade a Universidade de Coimbra, que durante séculos foi o centro da cultura portuguesa que permitiu levar Portugal às descobertas e a civilização a todos os continentes. E trouxesse para a Europa as religiões e as civilizações que encontrou nos vários continentes...

Como lisboeta, de que me orgulho, sempre estudei, quer na Faculdade de Letras quer na de Direito da Universidade de Lisboa. Mas enquanto estudante antifascista contactei muito com os meus colegas de Coimbra e lembro-me de ter dormido uma noite numa república em que o Zenha e outros camaradas viviam. Em Letras não havia qualquer oposição crítica à Faculdade de Coimbra.

Mas em Direito não era assim. Marcelo Caetano, que foi meu professor, não tinha boa opinião da Faculdade de Direito de Coimbra. Bem pelo contrário, considerava que a de Lisboa era mais antiga do que a de Coimbra.

Essa questão prolongou-se até um pouco depois do 25 de Abril. Tive algum papel nisso, quando era reitor de Coimbra o professor Rui Alarcão, meu querido amigo. Como então era Presidente da República, fui a Coimbra proclamar: "Que a mais velha universidade portuguesa era, e de longe, Coimbra." Gostei de saber no domingo passado que a UNESCO também assim proclamou...

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