terça-feira, 18 de junho de 2013

Leituras ( Brasil)

Um pouco além dos protestos

Paulo Moreira Leite / ISTOÉ


Os protestos pegaram o mundo político de calças curtas.
 
 
 

Comecemos pela oposição.
Depois de passar a última década procurando convencer a população a sair às ruas com base num moralismo falso e seletivo, a oposição reagiu de acordo com o reflexo condicionado do conservadorismo brasileiro.
Sua primeira atitude foi clássica: dar porrada nos protestos e na mobilização popular. Tratou todo mundo como baderneiro e aplaudiu balas de borracha. No momento mais difícil, vangloriou-se do que fazia. 
Ao perceber que os “vândalos”  e “baderneiros”  poderiam ter uma função útil caso fossem instrumentalizados para combater o governo Dilma, a oposição procura promover uma transmutação política.
Quer entrar no vácuo da luta contra os 0,20 centavos e encontrar novos aliados em sua guerra eleitoral para 2014. 
É por isso que muitos observadores e comentaristas insistem em dizer que a luta envolve bandeiras maiores e mais amplas. Receosos de entrar num terreno perigoso, o das reivindicações populares, a tática é criar um guarda-chuva ideológico. 
Tenta-se diluir um compromisso que interessa à maioria da população, para criar um atalho para 2014.
Vamos combinar.
Para quem perdeu três eleições presidenciais desde 2002 e arranca os cabelos diante das pesquisas eleitorais disponíveis para 2014, até uma insólita aproximação com o anarquismo e práticas autonomistas se tornou uma esperança.
E se pelo menos uma fatia dessa juventude resolver engrossar o bloco de oposição no ano que vem?
É este o exercício que o conservadorismo brasileiro decidiu experimentar.
Resta saber se será bem-sucedido neste canto de sereia – ou não.
Em vez de seguir o tratamento de “vândalos” pré-criminosos, eles foram repaginados, tomaram um banho de butique ideológica e agora são apresentados com bons moços,  herdeiros das melhores lutas políticas de um país onde, mais uma vez, se diz que “tudo” precisa mudar.
(Na real, este “tudo” consiste em revogar as principais conquistas sociais instituídas de 2003 para cá e dar um jeito de tirar essa discussão sobre tarifa de ônibus da frente...)
Mas a mobilização também pegou o PT e seus aliados no contrapé.
Os protestos revelaram a distancia entre um partido que tem um histórico na melhoria do transporte público, a começar pela criação do Bilhete Único, e os militantes independentes que há anos se dedicam a esse combate, preferindo seguir uma direção própria, com métodos próprios de organização e reivindicação.
Há anos que o MPL denuncia o preço das passagens nas principais capitais do país. A história lhe deu razão.
Centro das manifestações em função de um aumento de 0,20 centavos, a prefeitura de São Paulo perdeu uma ótima oportunidade para negociar. 
Durante três dias, Fernando Haddad fez companhia a Geraldo Alckmin, o governador que tem imposto um ambiente de Estado Policial a São Paulo toda vez que é colocado diante de mobilizações de caráter político.
Não vamos esquecer. Neste período foram feitas dezenas de prisões arbitrárias e vários militantes foram enquadrados em crimes absurdos e inaceitáveis para quem exerce o direito legítimo de defender seus direitos – como formação de quadrilha.
Neste jogo delicado, incerto, pode-se resolver um trunfo importante da campanha de 2014.
Todos estarão atentos e cada movimento pode ser decisivo.
Ninguém é bobo embora muita gente goste de se fazer de ingênuo. 





 
 
 
 

A crise de representatividade dos partidos (Editorial)



O Globo

 
 
Depois das manifestações do MPL, Movimento do Passe Livre, na quinta-feira, no Rio e em São Paulo, analistas políticos passaram a se dedicar a entender o que acontece — a imprensa, inclusive.
O que parecia um pequeno movimento de estudantes alegadamente contra o aumento de tarifas de ônibus, acompanhado por grupos de anarquistas, sempre atentos a oportunidades como esta para atos de vandalismo, ganhou outra dimensão, principalmente a partir das passeatas de ontem.
Manifestações, à mesma hora, no Rio, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte remetem a momentos que fazem parte da História: cassação de Collor, Diretas Já. Claro, não há sequer de longe comparação com a atual conjuntura política.

O fenômeno é de outra natureza e passa ao largo da estrutura partidária e de organizações de longa história de militância, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e sindicatos, anestesiadas pelo convívio próximo com o poder e suas benesses, nestes últimos 12 anos de PT e aliados no Planalto.
Foram todos surpreendidos pelo crescimento desta onda de críticas a “tudo isto que aí está”, cuja faísca de ignição foi o custo do transporte urbano, no qual milhões de brasileiros padecem todos os dias.
Elucidativo que alguns ativistas levem cartazes com a mensagem de que “nenhum partido me representa”. Reflete o enorme distanciamento entre legendas e a sociedade, construído com a ajuda de uma legislação deficiente, fonte de absurdas distorções.






Série de reportagens publicadas na semana passada pelo GLOBO sobre a estrutura partidária traça um diagnóstico deste divórcio crescente entre partidos e eleitores.
É sabido que regras irreais, incentivadoras da dispersão partidária, não apenas diluem a representatividade como favorecem a entrada de oportunistas na vida pública, um dos fatores que contribuem para a degradação da imagem da democracia representativa, uma grave ameaça às liberdades.
As 30 legendas legalmente registradas, um número excessivo, movimentaram R$ 1 bilhão no ano passado, dos quais R$ 350 milhões do Fundo Partidário, grande parte proveniente do contribuinte. Mesmo que o partido não tenha sequer um parlamentar eleito, ele é beneficiado pela distribuição de 5% do Fundo Partidário. Assim, por exemplo, o Partido da Causa Operária (PCO), com 2.560 filiados no país, sem qualquer eleito na Câmara, recebeu do contribuinte, no ano passado, R$ 629.081. Já o Partido Ecológico Nacional (PEN), com irrisórios 247 filiados, embolsou R$ 343.303.
Se considerarmos que as legendas com bancada no Congresso têm garantido tempo no horário gratuito, por menores que sejam, conclui-se que as oportunidades de negócios são mais amplas. Entendem-se, então, cartazes de protesto contra os partidos.
Infelizmente, a própria classe política resiste à criação de uma cláusula de barreira que saneie a estrutura partidária, e a torne capaz de, afinal, representar de fato o eleitorado e canalizar as reais reivindicações da população.
 
 
Blog do Noblat

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