Uma citação bem a propósito
De uma nação situacionista - é ouvir a apoteose que acolheu Marcelo Caetano no
estádio de Alvalade, semanas antes do 25 de Abril -, passámos para um país
citacionista - basta ouvir os discursos de ontem no Parlamento. "Comecei a ver
há minutos as comemorações na AR e já ouvi citar Shakespeare, Kant, Jaspers,
Habermas, entre outros. Não é por falta de erudição que estamos onde
estamos...", escrevia no seu blogue, a quente, Medeiros Ferreira, uma das poucas
pessoas que conheço capaz de saber quem foram os muitos ontem trazidos aos
discursos. Citar génios misturados em textos nossos é imprudente: traz o risco
de que seja notório que o bom do discurso não seja nosso e o que é nosso não
seja bom. Dito isto (até a última frase, que citei já não sei de quem), há que
dizer que trazer o Henrique V, de Shakespeare, para o debate político português
(citação feita pelo deputado Carlos Abreu Amorim) foi particularmente oportuno.
Na peça de Shakespeare, como enquadrou o deputado, o rei inglês passeou-se,
embuçado, entre os seus soldados, antes de uma das batalhas da Guerra dos Cem
Anos - quem mandava, Henrique V, queria conhecer quem ia comandar. Claro, o
discurso não apelava para igual truque dos governantes portugueses, mas destapou
uma das feridas mais graves da nossa democracia: por vezes é nauseante ver como
os de cima ignoram tudo sobre os de baixo.
Ferreira Fernandes
Diário de Notícias
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