domingo, 31 de março de 2013

O regresso da política

Jornal de Notícias





José Sócrates a ninguém deixa indiferente. Foi impressionante a reação do país ao "tomar da palavra" do ex-primeiro-ministro. Não tenho memória de alguém fora do exercício do poder ou de quaisquer cargos relevantes na vida política, social ou económica despertar um tal conjunto de paixões e de tomadas de posição.

Redes sociais, fóruns, debates, análises políticas, comentários e até manifestações, houve um pouco de tudo nos dias que antecederam e sucederam a entrevista na RTP. Um milhão e seiscentas mil pessoas pregadas ao ecrã para assistir à sua prestação televisiva, é obra.

A verdade é que não se pode dizer que Sócrates tenha estado ausente do país nestes dois últimos anos. Se fisicamente não o víamos por cá, o certo é que a todo o tempo era referenciado.

Apesar de o Governo ter assumido, após a aprovação do seu programa, que o que importava era o futuro e que o passado era passado, não houve debate parlamentar ou tertúlia televisiva em que a atuação do anterior Governo não servisse para justificar os males de que hoje sofremos. Sócrates, com efeito, esteve sempre presente mas, convenhamos, não pelas melhores razões. E se uma ou outra vez alguma voz no Parlamento se levantou em sua defesa, sentiu logo o desconforto da atual direção socialista.

António José Seguro manteve sempre uma prudente distância em relação à governação PS dos últimos seis anos. Daí o querer aparecer neste novo ciclo como livre de pecado. De um lado, os ataques da maioria governamental; do outro, a contenção do Partido Socialista. José Sócrates sentia que estavam a tentar enterrá-lo vivo. E reagiu.

Embora centrando a sua intervenção no comportamento do presidente da República e na atuação do Governo, justifica o seu reaparecimento por "não aceitar os ataques e narrativas sem contraditório" face aos "factos apresentados pela Direita sem qualquer oposição".

De entre os inúmeros comentários que têm sido feitos a este seu regresso, uma questão aparece referida em muitos deles. Porquê agora? Dois anos é pouco tempo para esquecer toda a profunda alteração que aconteceu no país e seria mais sensato um maior período de nojo, disse-se.

Sócrates, como tem sido afirmado, é um animal político, respira política, alimenta-se dela. Ora a última coisa que José Sócrates deseja é que ignorem o seu trabalho, que menorizem a sua liderança, que sepultem na vala comum os anos da sua governação. Consenti-lo, calando-se, era dar razão a todos quantos querem justificar os males do presente com os erros do passado. Por que não esperar seis ou dez anos, antes de reaparecer, como já ouvi uma eminência parda referir? E por que não silenciar-se para sempre? A história contaria então que, depois do desastre socialista que levou ao pedido de ajuda externa, um governo de corajosos homens de bem guiados por um presidente da República que soube agir quando era preciso, tudo fez para salvar o país da bancarrota em que o tinha lançado a desgovernação socialista. E José Sócrates talvez pudesse, então, aspirar a um prestigiado lugar, numa prestigiada organização internacional com um prestigiado vencimento.

Só quem não o conhece! Sócrates não quer que se esqueça o que fez. Quer que seja lembrado!

Ele está convicto de que fez o que tinha de ser feito naquele momento e naquele enquadramento e esta entrevista demonstra-o bem. Decidiu intervir "por direito, por dever e porque esta é a hora".

A verdade é que em nenhum momento o Governo apareceu tão desgastado como agora. O desastre das políticas que promoveu está à vista de todos e o mais que provável chumbo do Tribunal Constitucional descredibiliza-o por completo. José Sócrates sabia muito bem que este era o momento para ser escutado. Como foi.

Seguem-se os próximos capítulos. Que se desenganem aqueles que pensam que Sócrates debitará em cada semana um conjunto de generalidades para "morder" uma ou outra figura política e que, por isso, passada a curiosidade desta sua primeira prestação televisiva, o balão da expectativa esvaziará. Ele estuda os dossiês, informa-se, prepara-se. Claro que este nível de audiências não é repetível. Mas não vai ser possível ignorá-lo. Que ninguém se iluda - Sócrates veio para ficar.

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