quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

"Too short, too late"?

por Fernando Medina / Jornal de Negócios
 
 
A já famosa pirueta de Vítor Gaspar em vésperas da 7.ª avaliação do Programa de Assistência tem sido alvo de crítica generalizada, nos sectores de apoio à maioria, por representar uma alteração significativa da política económica até aqui caracterizada por "finanças primeiro, economia mais tarde".
 
A crítica é no mínimo precipitada e, infelizmente, creio que será mesmo injusta. 

Na verdade, medidas como mais um ano para a redução do défice orçamental, diluir no tempo os cortes de 4.000 milhões de euros, reduzir a tributação de lucros reinvestidos ou aliviar o crédito bancário podem ser muita coisa: o reconhecimento tardio da realidade há muito evidente, a assunção dos profundos erros cometidos, ou até boas ideias de "per se". Mas há uma coisa que não são: uma credível alteração de política capaz de inverter o rumo para o abismo em que nos encontramos.

A adopção de medidas nesta linha significa que teremos austeridade adicional em 2013 e 2014, que não estancaremos a deterioração das expectativas das famílias e das empresas, a degradação da procura interna, o aumento do desemprego e o aumento da dívida. E que nos manteremos na ilusão do crescimento por milagre: antes eram as exportações, agora será o investimento privado a realizar por empresas fragilizadas e com uma procura em queda ou pelo menos limitada. Em síntese, somos uma economia em depressão no quadro de uma Europa em modo de estagnação prolongada, e assim prosseguiremos.

A razão por que devemos temer uma revisão do programa nos termos descritos é porque todas as outras seguiram exactamente o mesmo padrão: "too short, too late". De cada vez que a realidade confronta a teoria do ajustamento, fazem-se uns retoques para manter a aparência de sucesso futuro (sempre adiado mais para a frente), mas não se altera o essencial do processo. Foi assim que já tivemos a revisão das metas do défice "a posteriori", a aceitação de receitas extraordinárias, a redução dos juros e a sucessiva passagem do crescimento económico para o ano seguinte ao anteriormente previsto. Vai-se ignorando a dinâmica de fundo da economia e o drama social, disfarçando que a dívida está a ficar insustentável e tudo fica tranquilo nas folhas de Excel até à próxima visita. A realidade, pelo contrário, vai seguindo o seu curso.

Desenhar um ajustamento credível obriga a reconhecer que nas actuais circunstâncias a austeridade não pode prosseguir, que o serviço da dívida tem de ser enfrentado de frente e que a competitividade da periferia dentro da Zona Euro é tema de todos. Tudo passos que a Europa não quer dar, mas acima de tudo, tudo passos que o Governo português não quer dar.

Do lado da Troika percebe-se com facilidade o motivo, aliás bem evidente pela repetição da estratégia nos vários países sob assistência, com excepção da última, e muito suada, revisão do programa irlandês. Um ajustamento credível implica mais tempo (muito mais), a garantia de recursos (agora do BCE) e enfrentar de frente o nível da dívida e o seu serviço. Como disto a Europa não quer ouvir falar, segue-se o caminho da gestão à vista. Pelo meio recebe-se o apoio dos que defendem que "é preciso continuar a pressionar os governos a fazer o que deve ser feito", e dá-se algum consolo aqueles que há muito – como o Comissário Oli Rehn - abandonaram qualquer ligação à realidade e à moderna ciência económica e se entregaram ao misticismo da fada da confiança que está mesmo aí a chegar.

Do lado do Governo, além das questões discursivas e da tentativa – correcta e defensável até certo momento – de evitar um processo de renegociação da dívida, estão as convicções de fundo sobre a crise e as respostas. Convicções bem claras aliás em frases como "o desemprego é uma oportunidade", que a "depuração da economia com o fim das empresas menos competitivas está finalizada" ou a do inefável Borges que "estamos prestes a viver um ciclo de grande expansão".

Para o Governo a crise tem origem antes de tudo na estrutura da oferta produtiva nacional, i.e., na concentração de recursos em sectores/empresas pouco produtivos fruto de "mercados rígidos" e erros de política interna. A recessão, a desvalorização interna e as "reformas estruturais" são pois os processos que vão libertar a economia e permitir a reafectação desse capital e trabalho para actividades/empresas mais produtivas.

É por esta razão que a gestão à vista na negociação do ajustamento não incomoda o Governo. Porque no fundo, no fundo, acreditam que a questão central do crescimento económico será resolvida pelo sacrifício temporário, e que depois da destruição da economia portuguesa assistiremos ao nascer de um mundo novo.

É pois este o quadro em que estamos na 7.ª avaliação. Presos entre quem há muito abandonou qualquer ideia de justiça e de Europa e entre quem acha que conseguimos, por magia, transformar 500.000 desempregados com o máximo do 9.º ano em engenheiros informáticos ou "tycoons" da economia global. Pelo meio, vamos todos sangrando.

P.S.: por razões de oportunidade da 7.ª avaliação interrompi esta semana a série "Por uma nova política económica". Retomarei em próximos artigos.

Economista. Deputado do PS

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