domingo, 20 de janeiro de 2013

As eleições de Seguro / Pedro Marques Lopes



Na altura em que devia estar a esmiuçar o relatório do FMI, a denunciar os seus erros e a questionar as soluções propostas, o PS andava muito ocupado a discutir na praça pública a sua própria posição sobre a ADSE. Ficamos a saber que o responsável dos socialistas para o sector da saúde, Álvaro Beleza, tem uma posição pessoal que não coincide com a posição do partido, sem que tivéssemos ficado a saber nem a dele, nem a do partido, nem a de Seguro.

Não é um assunto menor: a ADSE serve mais de meio milhão de portugueses. Além disso, convinha a um partido como o PS ter uma posição sobre os subsistemas de saúde, se pretende integrar a ADSE no Serviço Nacional de Saúde ou como encara a relação dos subsistemas com os operadores privados.

É mais um assunto em que António José Seguro tem a certeza de conseguir fazer melhor que o Governo, mas se esquece de dizer como o faria. É como o crescimento económico com que enche a boca: passa a vida a dizer que é fundamental, e disso ninguém tem dúvidas, mas convinha dizer-nos quais as ideias que tem para se passar da intenção ao acto.

Não é que este tipo de comportamento surpreenda ninguém. Seguro chegou ao poder no PS com um programa claríssimo: muito afecto pelos militantes e pouquíssimo ou nenhum por Sócrates. O que é que esse afecto queria dizer em termos políticos e que alternativa tinha ao ex-primeiro-ministro é que nunca se chegou a perceber.

O líder dos socialistas devia interrogar-se por que diabo existe um descontentamento generalizado contra o Governo e o seu partido não descola nas sondagens, ou por que será que os cidadãos não o vêem como possível primeiro-ministro. E porque, sendo claro para todos que o actual Governo está a conduzir o País para o mais absoluto desastre, os portugueses não estão disponíveis para lhe entregar as chaves da governação.

Ninguém sabe o que ele quer realmente para o País. O discurso do "eu não disse?" não convence ninguém, não dá segurança a ninguém, não é plano de governo. Seguro é, porventura, o maior obstáculo à queda do Governo. É o facto de ele não conseguir assumir-se como alternativa que mantém Passos Coelho no poder.

Seguro não conseguiu afirmar-se nem fora nem dentro do partido. Normalmente, as conquistas externas consolidariam a sua posição interna, mas foi dentro do partido que as coisas começaram a correr mal. Seguro não conseguiu lidar com a herança de Sócrates: nem a matou nem a aproveitou. E isso foi-lhe fatal. O facto de ver em cada um dos antigos governantes um adversário, e em cada um dos indefectíveis de Sócrates um inimigo, fez com que desaproveitasse gente com um amplo conhecimento dos dossiers e condenasse à clandestinidade gente muito bem preparada trocando-os por figuras de segunda linha desconhecidas dos eleitores. Assim o líder dos socialistas, longe de unir o partido, aumentou as suas divisões.

É, aliás, a fragilidade interna de Seguro que o levou a pedir, esta semana, a maioria absoluta para o PS ou a dar a ideia de querer acelerar o processo eleitoral quando o tempo, tudo o indicava, corria a seu favor.

A oposição interna, ao redor de António Costa, que já não receia mostrar a cara e assume claramente o confronto, tinha, e ainda tem, um problema de calendário: se Seguro não cai até ás eleições autárquicas, muito dificilmente cairá depois. O PSD terá, muito provavelmente, uma derrota gigantesca e o líder do PS apareceria relegitimado.

Só que o tempo político subitamente para Seguro começou a correr mais depressa. Terá sido por Costa ter tomado a iniciativa, por o PS se ter colocado de fora da discussão da reforma do Estado, que vai ter sempre de fazer seja agora seja mais tarde, por o partido não tolerar a falta de crescimento nas sondagens ou muito simplesmente por aqueles clicks repentinos e inexplicáveis férteis em política, a verdade é que Seguro se sentiu obrigado a vir ameaçar com moções de censura e eleições antecipadas para tentar segurar o seu partido.

Em pleno Parlamento teve um acto falhado, o secretário-geral socialista lembrou a conversa que Marco António Costa terá tido com Passos Coelho na altura do PEC IV: "Ou tens eleições dentro ou fora do partido." A história parecia assentar-lhe como uma luva. Só que Seguro tem um problema diferente: o actual primeiro-ministro podia optar, ele não. Externamente está dependente de Portas e de Cavaco, e internamente da capacidade e vontade de António Costa.

Pode ser que Seguro derrote a oposição interna e evite ser o primeiro líder do PS a não concorrer a eleições legislativas, mas parece que há mais uma tradição prestes a ser quebrada.


Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Diário de Notícias

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