
Uma das manifestações mais vexantes do atrofio geral que molda a nossa política consiste na repetição da cassete laranja onde ouvimos dizer que o “PS está agarrado ao Memorando” porque foi um Governo socialista que o pediu, o negociou e assinou. Logo, o Memorando prevalece e sobrepõe-se à liberdade política do PS sob pena de passarem por irresponsáveis, dizem social-democratas e populares a gozarem o prato com alarvidade.
O argumento é pífio. Primeiro, a necessidade do Memorando resulta de um boicote do PSD e do CDS (ajudados pelo Presidente da República, BE e PCP) a um programa alternativo defendido pelo Governo de então e por todos os responsáveis europeus. Conclusão, o Memorando interessava aos interesses da direita, a qual fez campanha por algo similar ao longo de 1 ano. Segundo, o Memorando foi negociado e assinado também pelo PSD e CDS. Tanto Catroga, que disse ter influenciado o acordo, como Passos, que disse estar em perfeita sintonia ideológica com ele, reclamaram vitória pela sua implementação. Conclusão, o Memorando consubstancia uma visão da sociedade e da economia na qual o PS não se revê, mas a qual espelha os pressupostos programáticos dos radicais da diminuição do papel do Estado. Terceiro, o Memorando foi sofrendo alterações a seguir à tomada de posse do Governo PSD-CDS. Essas alterações deixaram de contar com a participação do PS, o qual não foi mais tido nem achado e talvez nem saiba agora do que consta a mais recente versão do acordo.
Como se explica a repetição maníaca desta cassete, tanto por deputados, como por dirigentes, como por jornalistas do laranjal? Explica-se pela cumplicidade de Seguro. O apagamento do passado recente que Seguro instaurou logo a partir da sua campanha para Secretário-Geral abriu todo o flanco para o partido ser impunemente sovado até à perda de consciência. Seguro consentiu no espancamento por razões que nunca revelou, mas que pelo seu percurso podemos tentar adivinhar com elevada probabilidade de acerto: ele concorda com as acusações da direita contra Sócrates e seus bandidos. É que a alternativa a esta explicação é não só terrível como potencialmente doentia: ele não concordava, mas mesmo assim não conseguia mover uma palha para defender os camaradas e as políticas que serviram Portugal com brio e honra de 2005 a 2011.
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