sábado, 21 de julho de 2012

Arte de ser português

Valupi | Blog Aspirina B


Assim como Agostinho da Silva não era reconhecido pela academia como filósofo, assim José Hermano Saraiva não o era como historiador. Mas foram consagrados popularmente com os respectivos epítetos disciplinares por ser essa a sua prática: fazer filosofia, fazer história. Ambos eram animais televisivos natos e raros;
Agostinho descuidadamente, Saraiva intencionalmente. Um passou meteórico e fulgurante pelo ecrã, o outro escavou prolongadamente um vale nesse território mediático que foi enchendo de vida.



E se a filosofia feita por Agostinho era uma fiel transmissão do ensinamento socrático por ser um radical exercício da curiosidade, a história feita por Saraiva era uma fiel celebração do estilo de Fernão Lopes por querer levar o Povo ao povo. Mas de que Povo foi falando ao longo de 40 anos? De um Povo imaginado e imaginário, simbólico, olímpico, cantado por poetas – os reis e heróis do Quinto Império.





Hermano Saraiva fez programas de entretenimento onde se entreteve na fruição narcísica do seu romantismo. O romantismo de um homem nascido no princípio do século XX, tendo provado e gostado do exercício do poder em ditadura, e o qual encontrou no espectáculo a sua realização política. Só que provavelmente até ao próprio pode ter escapado o alcance cívico do que nos deixa: muitos milhares de imagens e sons que nos oferecem não as suas fantasias mas o registo documental de paisagens, património e testemunhos de terceiros. Este material é precioso, crescendo o seu valor com a passagem do tempo. E é essencialmente democrático, pois se oferece à interpretação de qualquer um.

Não se ter julgado a PIDE e ter-se abandonado as colónias em fuga desordenada são tópicos de dolorosa polémica que subjazem inevitáveis quando se discute o 25 de Abril. Ter acolhido, e estimado, muitos dos que no Estado Novo creram estar do lado da razão ao se colocarem ao serviço do regime é algo que prova termos instaurado um regime democrático. Por mim, não confiaria nas lições de História de quem não abomina o salazarismo mesmo que o compreenda existencial e antropologicamente. Mas confio de alma e coração naqueles que suportam o peso da História na consciência e ainda assim conseguem andar. Eis a arte de ser português

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