quinta-feira, 1 de março de 2012

Já só o Pacheco Pereira nos poderá valer



Valupi | Blog Aspirina B

Acerca da publicação no Correio da Manhã de supostas escutas a Sócrates, Estrela Serrano e Fernanda Câncio apontaram para o que há de mais urgente a esclarecer no episódio. Acerca do próprio Correio da Manhã, apenas lembrar que não estamos perante um jornal de escândalos e porcalheiras convencional, um mero tablóide. Há uma intenção política na linha editorial que toma como alvo o PS, especialmente Sócrates e seus próximos, fazendo deste pasquim um instrumento poderoso para os objectivos da actual direita partidária, especialmente do PSD. Aliás, o modo como alimentam o ódio populista contra políticos e depois o conseguem canalizar contra individualidades estrategicamente seleccionadas é uma operação que merece estudo, um trabalhinho de manipulação muito bem feito.

Todavia, porém, contudo, o que nos interessa é o Pacheco Pereira. Esta sumidade da inteligência nacional passou os anos de 2007, 2008, 2009 e 2010 a berrar inflamado as suas descobertas a respeito da malignidade de Sócrates: tratava-se do maior monstro que alguma vez tinha ocupado o gabinete de primeiro-ministro em Portugal, tendo ao seu serviço uma equipa de meliantes que tinha tomado conta do Estado e da sociedade através de técnicas dos serviços secretos e de dois ou três blogues (não necessariamente por esta ordem). Longe de mim duvidar da honestidade e perspicácia do Pacheco, e se ele o disse e escreveu é porque indubitavelmente assim aconteceu. De resto, este ex-deputado teve a valentia de cheirar as cuecas da sua presa dentro da Assembleia da República, no que fica como um triunfo ético e civilizacional que espero o acompanhe ao deitar para o resto da sua vida. Mas, eis o cabrão do meu berbicacho, como é que esses cromos todos das artes da espionagem deixaram Sócrates andar a ser escutado aqui e ali, sabe-se lá mais onde e porquê? Só sabemos para quê, graças ao Correio da Manhã, ao Sol, aos magistrados de Aveiro e inclusive ao próprio Pacheco que, no Verão escaldante de 2009, garantiu virem a existir futuras revelações das perfídias de Sócrates que causariam um pequeno fim do mundo. Era fixe que o Pacheco nos ajudasse a lidar com a contradição, mesmo porque não há mais ninguém nesta terra com os seus conhecimentos.

A “Inventona de Belém” tinha sido até agora o episódio político mais extraordinário a que me fora dado assistir em Portugal. O que teve de extraordinário foi o facto de ninguém de ninguém ter pedido responsabilidades a Cavaco face a uma tentativa de perversão de actos eleitorais. É do domínio do fantástico. E se do lado da direita tal não surpreende dada a sua actual decadência, embora continue a chocar, do lado da esquerda raia o mistério. BE e PCP, no fundo, viram com bons olhos essa conspiração made in Casa Civil, esperando colher vantagens. O Estado de direito, a decência das instituições, a democracia, tudo isso era para queimar juntamente com Sócrates. Pior ainda, indescritivelmente pior: dentro do PS havia quem enchesse a pança de gozo com os ataques à liderança do seu partido. O resultado foi o silêncio, e pelo silêncio os ficámos a conhecer.

Esta publicação de supostas escutas ultrapassa a gravidade da golpada de 2009. Faltam-me as palavras, literalmente, para exprimir o espanto perante, mais uma vez, o silêncio de tudo e de todos. Nem Ministério Público, nem partidos, nem PS, nem Sócrates, nem jornalistas, nem figuras públicas, nem ex-Presidentes da República, nem o cão do Alegre, nem a minha vizinha do 4º andar. Ninguém diz nada, o auto-de-fé prossegue no seu ritmo diário, para júbilo de ranhosos e broncos. E o que tal diz do país onde pagamos impostos é, como bem sintetizou a Fernanda, assustador. O susto não consiste na pulhice da exposição da privacidade de um cidadão sem aparente legitimidade legal, muito menos moral, adentro de uma campanha de assassinato de carácter. O susto vem da cumplicidade dos que estão calados, alheados, divertidos.

Haja a esperança de que o Pacheco Pereira, num dos seus mil veículos mediáticos onde ganha aquilo com que se compram os melões, encontre uns minutos para nos demonstrar como continua a ser Sócrates o único culpado por ter sido apanhado a tratar de assuntos privados ao telefone.

Sem comentários:

Enviar um comentário