quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Ruim composição, boa demanda



--- Fernando Alves, TSF


Marcelo Buhatem é desembargador do tribunal de justiça do Rio de Janeiro. Ele acaba de dar andamento a um recurso de uma cidadã da Baía que, entre março e abril do ano passado ficou alguns dias sem luz em casa. Entre março e abril a consumidora baiana sofreu 16 cortes de fornecimento de energia e colocou em tribunal a empresa concessionária. Na primeira instância, a juíza foi sensível aos argumentos da companhia de electricidade: O forte temporal de entre março e abril provocou descargas eléctricas que atingiram a rede de alta tensão. Agora o juiz desembargador Marcelo Buhatem atendeu favoravelmente o recurso. O desembargador convocou para a sentença o guarda-chuva da meteorologia: "A ocorrência de fortes chuvas, apesar de inevitável - disse ele - não constitui um facto imprevisível, principalmente no mês de março". E condenou a empresa de electricidade a uma considerável indemnização, fundamentando, na pauta da lei, a sua decisão, com uma passagem das "Águas de Março" de Tom Jobim: " São as águas de março fechando o verão / é a promessa de vida no teu coração".
(música)
Não se aplicou neste caso o velho rifão "mais vale ruim composição que boa demanda", porque a composição é boa, o Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro, fevereiro e março. E fosse o temporal mais adentro no calendário, poderia o desembargador convocar o "Vento de Maio", a canção de Elis que faz chover num pique-nique...
(música)
Pode um juiz embargado pela música, pela passagem das estações, condenar um coração? É muito possível. Apresenta recurso uma velha crooner, Núbia Lafayette, um "coração condenado":
(música)
Núbia diante do tribunal. O advogado de defesa, o compositor, é um tal Nelson Gonçalves, que os nossos pais escutaram comovidos na barra da rádio. Nelson era um causídico do tempo de Noel Rosa cuja "Filosofia" enfrentou a injustiça e a condenação do mundo, advogada por Paulinho da Viola, meritíssimo
(música)
Levante-se a ré, poderia ter dito o juiz Marcelo Buhatem, com seus olhos desembargados. O juiz desembargador Marcelo Buhatem veio no fim de contas retomar o velho rifão. "Faça-se justiça, embora desabem os céus". Não é o fim do caminho.

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