Paulo Moreira Leite. Época.
[Homem lê jornal destacando a libertação de Dominique Strauss-Kahn / Foto AFP]
Não sou partidiário de teorias conspiratórias, mas está na cara que ocorreu um
pequeno golpe no Fundo Monetário Internacional para afastar um economista ligado a esquerda francesa, Dominique Strauss-Khan, e substituí-lo pela conservadora Christine Lagarde.
Foi pelo menos uma decisão oportunista e apressada, vamos combinar.
Não acredito que tenha ocorrido uma armação desde o início, e que a camareira que fez a denuncia de estupro contra DSK tenha sido plantada por algum inimigo político. Isso me parece complicado demais para ser verdade, embora os serviços secretos do governo frances tenham uma tradição de envolver-se em operações de risco.
Mas parece difícil negar que os adversários de DSK nos meios econômicos aproveitaram uma denúncia que parecia séria e consistente para se promover uma alteração politica na instituição. O saldo é que hoje as instituições financeiras internacionais tem mais uma voz conservadora em seu comando, num momento em que cada decisão pode ter consequencias decisivas no esforço para impedir uma nova recessão em escala mundial.
Apenas setenta e duas horas depois da escolha de Christine Lagarde para a direção de uma das principais instituições financeiras do planeta, os promotores de Nova York admitem ter encontrado várias contradições e inconsistencias na denúncia contra Strauss-Khan. A credibilidade da mulher que se apresenta como sua vítima encontra-se perto de zero.
DSK não precisa mais usar tornozeleira eletronica e receberá de volta a fiança de US$ 5 milhões que fora obrigado a depositar para aguardar pelo julgamento em liberdade. Embora continue impedido de deixar os Estados Unidos, mesmo os promotores admitem que podem ter uma imensa dificuldade para convencer os jurados de sua culpa. Já se fala até na possibilidade das denuncias serem retiradas e o caso ir para o arquivo sem julgamento.
Essas medidas não equivalem a um atestado de inocencia. Mas querem dizer que há dúvidas muito sérias na acusação.
O que eu pergunto é: considerando aquilo que se sabe hoje, não teria sido razoável aguardar um pouco mais pelas provas para consumar a queda de Strauss-Khan do posto número 1 do FMI? Aqueles governos que logo nos primeiros dias começaram a exibir a cabeça de DSK até convencê-lo a renunciar não se apressaram? Qual interesse numa decisão rápida e forçar a renuncia apenas quatro dias depois da denuncia da camareira?
Capazes de dar sustentação e apoio as decisões de Strauss-Khan na direção da instituição seus pares não poderiam dar algum crédito às suas alegações de inocencia?
Em vez disso, aproveitaram a oportunidade para substituir um executivo da escola keynesiana, ainda que muito moderado para o gosto do Premio Nobel Paul Krugman, por uma economista de confiança absoluta dos mercados financeiros e partidária das medidas de austeridade que ameaçam jogar a Europa no precipício de uma crise economica sem fim.
(Em sua primeira declaração depois de ser confirmada no cargo Lagarde já saiu em defesa do pacote economico da Grécia. Numa atitude que lembra a velha escola arrogante da instituição, sugeriu a oposição política daquele país que parasse de brincadeiras para dar apoio à medidas que vão cortar benefícios sociais, elevar o desemprego, diminuir investimentos e aprofundar a recessão).
Muitas pessoas, hoje, denunciam a postura da Justiça americana e da mídia no caso de Strauss-Khan.
A primeira é acusada de agir de modo truculento. Está certo. Também se viu uma incompetencia espantosa. A Justiça levou um mes e meio para traduzir um grampo telefonico onde, logo depois de fazer a denúncia, a camareira conversava num dialeto africano com um cidadão preso por tráfico de drogas, sugerindo que estava no controle da situação e podia até ganhar um bom dinheiro com a história.
A imprensa é acusada de não fazer seu trabalho direito. A crítica também está correta. A mídia não apurou quem era a pessoa que fazia a denuncia, não foi atrás de historias passadas nem procurou eventuais contradições.
Quem for ler os jornais, revistas e blogues da época, irá encontrar um retrato idealizado de uma imigrante muçulmana, exemplo de caráter, boas companhias e incapaz de fazer aquilo que faz com frequencia, sabe-se hoje — contar mentiras.
Não é possível, até agora, saber o que ocorreu exatamente na suite de Strauss-Khan. Ele pode, sim, ser culpado. A camareira pode ser uma pessoa que conta mentiras, comete fraudes no imposto de renda, pode ter amizades pouco recomendáveis e pode até tentar tirar proveito financeiro de um ataque sexual — e mesmo assim pode estar falando a verdade e o ataque pode ter ocorrido. Não discuto isso.
Discuto, apenas, a queda de Strauss-Khan e sua substituição instantânea. Este é o aspecto político.
O ataque ocorreu em 14 de maio. Quatro dias depois, alvejado pela polícia, pelos promotores e pela mídia, Strauss-Khan renuncia ao cargo — ainda na cadeia, pressionado por todos os lados, apoiado apenas pela própria mulher.
Christine Lagarde assumiu seu lugar em 28 de junho. No dia 30 de junho o New York Times publicou em primeira mão que o promotor do caso tinha dúvidas sobre a credibilidade da camareira, dado grave para uma acusação baseada na palavra de um contra a de outro.
É muito provável que, no momento em que Lagarde foi confirmada em seu posto, nos bastidores da Justiça americana já se soubesse das novidades sobre o caso. Curioso, não?
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