segunda-feira, 20 de junho de 2011

O pêssego - Bruno Tolentino



Estavas debruçada e me cobriste
dos bruscos panos brancos da alegria,
cantava a noite sacudindo a terra,
desatando o dia,
meu corpo todo em riste,
jubilação do instante, te bebia,
e encontados à crista
luminosa da terra,
fomos marulho puro, maresia,
rebentação da luz que não se avista.

Vive-se da saudade da surpresa
que sacudira acesa
a tocha humana pelo coração.
Mas se acaso outra vez me apareceres,
a rosa refolhada dos prazeres
no ventre e aquele cacto
de delícias na boca,
recomece o prodígio, não o ato:
somos bichos do chão
e à solidão da raça
toda carícia é pouca,
toda ternura passa
e, enquanto a chama cauteriza a chaga
um dia o coração, na escuridão
de si mesmo, instantâneo e vão, se apaga.



Bruno Lúcio de Carvalho Tolentino (Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1940 - São Paulo, 27 de junho de 2007) - Publicou seu primeiro livro aos 23 anos, "Anulação e outros reparos", já obtendo boa críticas. Após o Golpe de 64, mudou-se para a Europa, onde viveu 30 anos. Foi professor de literatura em Oxford e tradutor-intéprete da Comunidade Econômica Européia. Recebeu o Prêmio Jabuti três vezes pelos livros "As horas de Katharina", "O mundo como ideia" e "Imitação do amanhecer".

- Blog do Noblat

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