terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A culpa é dos faraós

Valupi, Blog Aspirina B




" [...] Compreendo que o Governo está refém daquilo que foi um passado de algum deslumbramento, e com gastos faraónicos, que um dia nos havia de calhar a conta, iam-nos apresentar a conta. E ela está aí, e agora não há nada a fazer. O Governo tem 5 meses de governo e está sujeito a ter que tomar estas medidas, que se calhar não era isto que pretendiam, mas que tudo o que ficou para trás nos levou a que acontecesse. É uma inevitabilidade [...] estamos reféns de um passado que nos levou a todo este deslumbramento e a conta tem de ser paga. "

Rui Paredes, gestor de Favaios – Fórum TSF

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Um dos aspectos menos explorados nos estudos do Estado Novo respeita à sua duração. Porquê 48 anos de um regime que teve de cair de podre, sem ao menos se conseguir defender ou antecipar uma saída democrática que a História e a geografia tornavam evidente? E, afinal, quantos e quais portugueses é que colaboraram com a PIDE? Porque razão as estruturas judiciais e municipais passaram intactas para o pós-25 de Abril sem purga, castigo ou sequer memória? A paz social que assim se obteve, a que se junta uma descolonização que não passou de uma irresponsável debandada seja qual for o ponto de vista, permitiram a estabilização do Estado de direito democrático, mas não alteraram as matrizes cívicas que alimentaram a longa noite do conluio entre as famílias que possuíam a banca e a indústria e o messias do provincianismo nacional, de seu nome Salazar.

A estratégia que deu à direita partidária um Presidente da República, um Governo e uma maioria leu bem a tipologia dos tecidos sócio-culturais que nos constituem passados 37 anos da revolução. A aposta na substituição da política pelo moralismo e a hipocrisia sem limites, e as tácticas de perseguição e assassinato de carácter, geraram a violência necessária para afastar a racionalidade e promover a alucinação como normalidade. Isto foi obtido graças às ameaças externas resultantes das crises sucessivas e gigantescas que assolam a economia e finanças internacionais, as quais levam a população para um estado permanente de ansiedade pré-pânico, mas também pelo domínio da comunicação social, onde patrões de imprensa e jornalistas alinharam cooptados ou voluntários nas campanhas delineadas. De tal forma que quando Cavaco, no próprio Parlamento para mostrar quem manda nisto, declara que o Governo PS devia cair o mais rapidamente possível porque estava a impor demasiados sacrifícios (hahaha!! és o maior, bacano…), não havia nada nem ninguém em Portugal que conseguisse impedir esse desfecho.

Este Rui Paredes, que foi ao Fórum TSF dar o seu contributo, provavelmente passaria no teste do polígrafo. Para ele, o Governo anterior, e talvez qualquer Governo socialista do passado ou do futuro, era constituído por pessoas que não se conseguiam controlar por incurável falha moral ou cognitiva, pelo que passavam o tempo a gastar dinheiro mal gasto em inutilidades só para encher o olho, mas que a ninguém aproveitavam para além daqueles que as construíam. E foi assim que ficámos sem dinheiro, conclui com toda a lógica. O Rui não sentiu a necessidade de dar exemplos, embora pudesse disparar com “auto-estradas”, “TGV” e “aeroportos” sem dificuldade. Com um bocadinho de esforço chegaria ao ponto de lembrar as empresas públicas e as parcerias público-privadas. Tanto dinheiro desperdiçado, remataria triunfante agitando uma conta de somar desenhada a lápis na toalha de papel onde tinha acabado de virar um bacalhau com grão.

E eis onde estamos, onde esta direita nos quer: os pelintras de um país de miseráveis dizem-se convictamente vítimas de investimentos faraónicos para a sua educação, saúde, mobilidade, segurança e liberdade.

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