segunda-feira, 25 de março de 2013

A nuvem por Juno

PEDRO MARQUES LOPES
 Pedro Marques Lopes / Diário de Notícias

 

 
 
Não há cidadão minimamente interessado na coisa pública que não esteja preocupado com a saúde do nosso sistema político. Só alguém muito distraído ou desinteressado pode ignorar que os principais partidos estão reféns de caciques sem ideologia ou pensamento político e que parte importante dos candidatos a cargos políticos são escolhidos não em função das suas qualidades mas da cega fidelidade a quem manda no partido.

Não é difícil prever que os partidos não se auto-regenerarão. Talvez o pessimismo dos tempos me tenha também afectado, mas não acredito que o monstro abdique do seu próprio poder. Ou então trocará um bocadinho por ainda mais. É nisso que as máquinas partidárias se transformaram: pensam só e apenas no poder.

Também poucos desconhecerão a cada vez menor capacidade da vida política atrair os melhores e os mais capazes de nós.

As razões são muitas, desde logo o bloqueio que as máquinas partidárias realizam actuando como filtro: estando dominadas por medíocres, dificilmente deixam não medíocres crescer dentro da estrutura. Mas há outras e igualmente importantes: o discurso populista contra os políticos, o nível de devassa da vida privada a que ficam sujeitos e as baixas remunerações que auferem. Sim, é verdade. É absolutamente inacreditável que um cidadão que gere uma cidade como Lisboa ou como o Porto traga menos de 3000 euros para casa ao fim do mês. Ninguém, sendo honesto, vai para a política com o objectivo de ficar rico, mas há limites minimamente justos de remuneração face ao trabalho e à responsabilidade.

A semana passada, um conjunto de cidadãos divulgou um documento intitulado "manifesto pela democratização do regime" com algumas ideias para a reforma do sistema político. Não cabe aqui a análise das suas propostas. Algumas concretas, mas outras demasiado genéricas ou mesmo muito vagas. O fundamental é salientar a importância da acção, a vontade de participar, a constatação de que a comunidade ainda não foi vencida pela apatia.

Outros manifestos se seguirão. Alguns, infelizmente, com uma linha populista, aqueles que serão contra os partidos, contra a política e contra os políticos, ou seja, contra a democracia. Outros, espero muitos, com objectivos sérios e procurando reforçar e reformar a democracia.

O grande problema que vejo em todos estes documentos, nomeadamente no referido, já apresentados e por apresentar (sim, é um palpite), é a tentação, ou melhor, o profundo erro de confundir o actual estado económico do País com os problemas do nosso sistema político, nomeadamente o papel dos partidos. É que vamos ver se nos entendemos: não foi por défice de representação que foram cometidos os erros na governação; as raízes da nossa crise até podem estar relacionadas com problemas de representação política, mas não local e sim europeia; as políticas de que estamos a ser vítimas não são consequência dos problemas dos nossos principais partidos, estão muito para além deles; os nossos défices estruturais históricos, a nossa estrutura económica não foi propriamente criada pela incompetência da actual classe política.

Mais, quer queiramos quer não, é muito aos nossos políticos que devemos o autêntico milagre de desenvolvimento social e político que se deu nos últimos trinta anos.

O que não surpreende de todo é o facto de aparentemente a comunidade se preocupar com a saúde da democracia e do sistema político no momento em que a recessão económica e o desemprego grassam. Sou suficientemente antigo para me lembrar do último estertor cavaquista no Governo, dos governos socialistas e dos amigos em tudo o que era administração de empresas públicas e afins. Sei também quem são os políticos sobre quem impendem acusações graves de corrupção e pior. São do tempo em que tudo corria bem, não é?

Pois, tudo corre bem na democracia quando há pão e emprego, mas não há fé na democracia que resista à sua falta. E só nessa altura é que se põe tudo em causa.

Claro que temos de lutar por todos os meios para melhorar a nossa democracia, convém é não confundirmos os seus actuais graves problemas com os males que estamos a passar e metê-los todos no mesmo saco. Nem ajudamos a reformar o sistema nem ajudamos a encontrar soluções para a crise económica e social que atravessamos.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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